Primeiro lugar, preciso admitir: costumo causar polêmicas quando escrevo. Não é uma necessidade, nem uma escolha. Ao contrário, é algo natural. E, como não costumo me esquivar de polêmica, tento lidar com as consequências da melhor forma. E acho que esse texto vai ser mais um dos que vai “dar trabalho”. Mas vamos lá.
Estive no estádio Santa Cruz na última terça-feira para acompanhar o Botafogo.Passei duas horas de raiva acompanhando a partida contra o Paraná. O caso relatado ocorreu lá.
Assisti ao jogo acompanhado de meu pai e meu filho. Meu pai é o cara mais corneta da face da terra. Dá raiva de assistir ao jogo ao lado dele, sempre crítico a tudo. Eu sou “crica”, mas, em se tratando de futebol, sou principiante perto dele.
“Esse Pará é muito ruim”. “Não tem um jogador que sabe tocar a bola”. “Se tivesse vergonha, esse cara que foi expulso tinha que ser mandado embora hoje,no vestiário”. “Pra ficar horrível, esse time tem que melhorar” foram algumas das frases repetidas exaustivamente.
Eis que, no lance de arquibancada acima do meu, lá pelos 30 do segundo tempo, tinha um cara que conseguia ser ainda mais pentelho que meu pai. “Chama o cavalllooooooooo”. “Emerson Maria (com erro mesmo), volta pro Figueirenseeeeeee, não te pagavam porque você não sabe trabalharrrrrr”. Ouvi isso o jogo inteiro.
Em determinado momento, o corneta soltou um “Lucas viaddddddddooooooooooo, volta pro Palmeiras”.
Um outro torcedor, apressado, virou rápido em direção ao corneta e soltou: “Não fala viado não, que não pode. O time vai perder ponto”.
E ai vem o tema desse artigo: que porra estão fazendo com o futebol?
Não se trata de defender a homofobia, ou qualquer discriminação. Mas até que ponto medidas como essas tiram a essência do futebol?
Em um jogo do São Paulo Futebol Clube contra o Vasco, o juiz denunciou que a torcida vascaína começou a provocar o time do Morumbi, internacionalmente conhecido no mundo futebolístico como “bambi”, ao cantar, a plenos pulmões, o refrão “time de viadooooo”. E, acredite se quiser, o Gigante da Colina corre risco de perder os pontos por isso.
Impressionante como autoridades sem mais o que fazer possuem a capacidade de torrar o saco. Fico imaginando se a pessoa que criou essa norma escabrosa na tinha nada mais útil para fazer no momento que teve essa ideia genial.
Por quase um ano, dividi um apartamento com um colega de profissão absolutamente homossexual. Vez ou outra, falávamos sobre futebol. Certo dia, perguntei a ele se, quando ia no campo de futebol, ele se sentia incomodado com o grito de “bichaaaaaaa” que estava na moda então, durante a reposição de bola. A resposta dele foi reveladora: “eu acho o maior barato”.
Fiquei curioso e pedi para meu amigo desenvolver. Ele tinha um certo ar sociológico e explicou: “Eu sou homossexual, e canto. Não é uma ofensa, nem é pessoal. É só um jeito de extravasar, faz parte. E é muito divertido”, disse. Concordei: deixa são paulino ser bambi, corintiano ser gambá, palmeirense ser porco.
Futebol é tiração de sarro. É cornetar o adversário. É o jogador que fala o que quer, é chamar o adversário de viado, é xingar o juiz de filho da puta. É extravazar, é mandar tomar no cu, é o “atirei o pau no Bafo”, é, acima de tudo, um ato desesperado de amor, de amar, acima de tudo, seu time.
Não devemos aceitar sobremaneira a violência. Mas futebol não é opera. O fato, que parece passar desapercebido, é que o futebol pertence ao mundo lúdico, e é um microcosmo da sociedade. Não se muda o comportamento de ninguém por decreto. Mas, por decreto, é possível deixar o futebol mais chato.