O ano era 1.865. A cidade era Londres. A nova e primeira regra de trânsito foi batizada como Lei da Banderia Vermelha. Os então locomóveis, que após 1.900 chamamos de automóveis, só podiam circular a duas milhas por hora (3.2 km/h) desde que um homem seguisse 30 milhas (60 metros) à frente com uma bandeira vermelha, durante o dia ou uma lanterna vermelha, se fosse noite.
Naquela data Henry Ford – que não inventou o automóvel – tinha dois anos de idade e Robert Bosch – que inventou uma série de dispositivos elétricos automotivos – estava com quatro anos de idade. A exigência não era sem razão: as novas “máquinas”, controladas só parcialmente, não transmitiam segurança para as pessoas. Ainda assim, no dia 31 de agosto de 1.869, no condado de Offaly, na Irlanda, um acidente de trânsito vitimou Mary Ward, uma das três mulheres que pela primeira vez fizeram parte da Sociedade Real Britânica de Astronomia.
Aos poucos essa lei foi sendo abrandada e permitiu velocidades maiores, até ser adaptada no século XX. Com as experiências acumuladas, 100 anos após esse primeiro acidente, o mundo consolidou varias regras através da Convenção de Viena para o Transito Viário. E o Brasil, que em 1966 havia editado seu primeiro Código Nacional de Transito, ingressou no texto internacional com o compromisso de implantar as regras para viabilizar o transito brasileiro.
Passados 50 anos da Convenção de Viena o Brasil não consegue materializar a regra elementar para termos um trânsito mais seguro e socialmente justo. Temos uma Lei Federal que não reconhece as diferenças regionais (sociais, econômicas e culturais). Uma lei que tudo impõe para o município – onde de fato existimos – mas não pensou de onde as cidades captariam os recursos financeiros necessários. Uma lei que habilita qualquer motociclista que se equilibra na moto e faz “o oito” por três vezes.
Uma lei que se diz rígida com a mistura bebida/drogas e direção e que na prática troca a vida de 1,2,3…pessoas por uma alta fiança depositada para o Estado. Uma lei que ressalta a importância da educação para o trânsito nas escolas mas esqueceu de inserir isso nos livros e na grade curricular, deixando os professores à sua própria sorte com o tema. Uma lei que retém 5% de toda multa arrecadada no Brasil para devolver em ações e campanhas de trânsito mas deixa o dinheiro para saldo nas contas da União (superavit primário).
Uma lei, continuamos, quem desde 1998, pensa em punir o pedestre incauto, mas que não faz a comunicação mínima com ele, por placas ou divulgação na mídia e que não fiscaliza o caminho/calçada para saber se existe condições mínimas de caminhar e/ou deslocar, em especial para pessoas com restrições motoras, da visão ou da audição, principalmente idosos e crianças. Uma lei que trata a ciclofaixa – que é uma pintura de solo que liga uma ciclovia a outra – como se ciclovia fosse (ciclovia é o local fisicamente construído só para os ciclos). E quando as Administrações Públicas irresponsáveis e omissas são enquadradas nessa lei, cuja punição é severa, o Poder Judiciário se apresenta para ‘amortecer’ toda e qualquer reprimenda e indenização mais justa, geralmente em razão de uma situação trágica sofrida por alguém.
Todas essas afirmações não significam que a Lei é ruim e não serve. Não se trata disso. O que falta para que esse mesmo texto seja eficiente e traga a segurança que tanto precisamos deve sair de nós, o “povo”. Basta observar a Londres de 1.865. O governo local agiu diante da exigência popular, pois as pessoas da época pensaram preventivamente.
Somos nós que damos o “tom” para as nossas necessidades. Não é algo simples e fácil de fazer, mas é possível fazer. O que cabe a cada um é tão somente regrar seu próprio comportamento no trânsito, inclusive quando pedestre, e respeitar aquilo que é público, da placa até o Agente de Trânsito. Aquilo que foge das nossas forças (obras,sinalização, fiscalização por agentes preparados primeiro para orientar, limpeza e conservação das vias, regras claras e eficazes para formar os condutores, leis justas…) deve ser feito pelos nossos representantes e com o dinheiro que pagamos, sem desvios de qualquer ordem.
Em outras palavras: temos de ser conscientes como pessoa humana e agir como cidadão. Nenhuma nação onde o trânsito apresenta situações e números aceitáveis conseguiu chegar lá sem a junção da consciência com a cidadania. Enquanto isso não acontecer aqui, a Lei da Bandeira Vermelha de 1.865 continuará sendo melhor que nosso Código de Trânsito Brasileiro de 1.997.