A Emenda Constitucional n. 111 foi promulgada em 29 de setembro de 2021, advinda da PEC 28/2021 e trouxe sensíveis modificações sobre as regras eleitorais, dentre as quais, focaremos a pauta da melhoria das condições da sub-representação feminina.
É público e notório que as mulheres, mesmo sendo a maioria na população brasileira, ainda ocupam apenas 15% de cadeiras na Câmara dos Deputados. A desproporção acompanha outras tantas Casas Legislativas, cargos de Chefia do Executivo e, claro, nas ocupações diretivas na esfera privada. As disparidades e falta de acesso remontam a estruturas segregacionistas e paternalistas que, de há muito, blindam implícita e explicitamente os postos de comando e representatividade ao gênero masculino. As chances de reversão deste cenário tão desequilibrado não se mostram alentadoras sem que haja a adoção de políticas públicas mais contundentes.
Voltemos à EC 111/21. Dentre as modificações trazidas (hipóteses de saída dos partidos por justa causa sem perda do mandato; mudança da data de posse de Presidente e Governadores em 2026; limitação de responsabilização de dirigentes partidários), destacaremos a advinda da emenda nº 8, de autoria da Senadora Rose de Freitas, que previu a majoração da contagem dos votos dados às candidatas mulheres e negros, para fins de distribuição de recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Não prosperaram nesta PEC duas outras propostas: a primeira, previa que, na renovação por dois terços do Senado, uma vaga seria do sexo feminino e a segunda, que previa que, nos cargos de Presidente-Vice; Governador-Vice, ao menos uma das candidatas deveria ser do sexo feminino.
Tais evoluções (a que frutificou e as que foram rejeitadas) se apresentam como instrumentos jurídicos e políticos afim de incentivar a candidatura de mulheres, e, assim, reverter a sub-representação feminina.
É importante destacar que a discussão sobre a representatividade feminina já apresenta desdobramento na política brasileira, tendo como exemplo a implantação das cotas de gênero no Brasil, a qual começou a ser discutida em 1990, através de pressão das Conferências internacionais. Sendo promulgado em 1995, a Lei nº 9.100, a qual previa 20% (vinte por cento), no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação a serem preenchidas por candidatas do sexo feminino.
A evolução dessa discussão no tempo tem como último instrumento a Lei das Eleições trazendo as cotas para todas as esferas da federação, havendo, portanto, a necessidade de reservar vagas a candidaturas de mulheres em um número mínimo de 30% trinta por cento) dentro de cada partido político, em qualquer eleição, seja municipal, estadual ou federal. Uma alteração em 2015, que trazia retrocessos para as mulheres na Lei das Eleições, foi rechaçada judicialmente. Em 2018, o STF na ADI 5.617 tratou de corrigir a interpretação da Lei das Eleições para fixar que o repasse do FEFC para candidaturas femininas seja alocado na mesma proporção destinado ao número de postulantes, e não de 5% no mínimo e 15% no teto. Ora, se são 30% de candidatas em uma chapa, o repasse financeiro deve ser equivalente, sob pena de se perpetuar a discriminação.
É marcante a inovação que foi promulgada, que pretende incentivar os partidos políticos a apresentarem candidaturas viáveis de mulheres, majorando a contagem dos votos dados a esse grupo para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
A obtenção de recursos para campanha eleitoral apresenta-se como uma dificuldade às mulheres, isso porque a participação de candidatas nesse cenário é relativamente recente, fazendo com que não tenham contatos profissionais fortalecidos nesse âmbito, razão pela qual, a medida implementada pode se revelar como um passo a mais para tornar eficaz a demanda democrática. As campanhas políticas dependem de investimentos, aos quais se faziam minguadas às minorias femininas, a ponto de que o registro de vagas de mulheres em chapas apenas servisse a propósitos “pro forma”, ou “para inglês ver”. Ou seja, lançavam-se candidaturas femininas apenas para completar a chapa composta por homens, através das conhecidas “candidatas laranjas”. Tal postura performática, de candidatas que se lançavam, mas sem terem qualquer intenção de serem votadas, gerou, inclusive, indeferimento do registro de chapas completas, vide o Recurso Especial Eleitoral nº 19392 de Relatoria do Ministro Jorge Mussi no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral.
Para quebrar tal simulacro e gerar modificações, hão de ser pensadas soluções que tragam candidaturas femininas cada vez mais competitivas. A carência de mulheres no debate público se faz evidentemente prejudicial ao grupo feminino, e ainda, os assuntos que rodeavam o empoderamento de sua realidade. Logo, quando as primeiras mulheres se colocaram no papel de lideranças (como Bertha Luz) ou representantes (tal qual a jovem Alzira Soriano, eleita em 1928 prefeita de Lajes/RN antes mesmo da permissão do sufrágio feminino no Brasil instituído no Código Eleitoral de 1932), restou evidente a elaboração de mecanismos para fomentação de seus direitos.
Cabe agora identificar como tal inovação importará na melhoria na representação feminina na política. Não basta, pois, destinar percentual de vagas sem que as mesmas não consigam se financiar e se viabilizar. Ao futuro reservará a observância desta e tantas outras políticas públicas inclusivas, a fim de melhorar a legitimidade democrática através de cidadãs hoje premidas dos espaços de poder. Aguardemos.
Em colaboração com Brenda Maria Alves Rodrigues (Advogada graduada pela Universidade de Ribeirão Preto e Pós-Graduanda em Direito Público – Escola Damásio).