Como faço todos os anos, leio com cuidado as provas do Enem, da Fuvest e de outros tantos vestibulares brasileiros. Mais do que um dever de ofício, a tentativa de entender o que esses exames estão dizendo para a realidade da educação brasileira. Os sinais me assustam.
Comparando os números obtidos no SIS (Síntese dos Indicadores Sociais), divulgados na semana passada pelo IBGE, demonstrando claramente que um em cada quatro jovens brasileiros não estuda e que 95% dos alunos não sabem fazer uma conta de matemática ou entender um texto, ao que foi pedido nos exames vestibulares, pode-se concluir que estamos todos sentados num barril de pólvora com um fósforo nas mãos.
Não se trata de alarmismo ou visão hiperbólica da realidade, é fato. Há dois mundos no universo da educação brasileira: o licenciado aos que podem ter acesso à informação, cultura e formação e os outros que representam a maciça maioria da população.
As provas dos últimos vestibulares comprovam essa tese. As questões exigem exatamente o que o todo não sabe: interpretar e fazer contas. Isso quer dizer que as vagas ou serão ocupadas por uma oligarquia, ou por uma turba que mal sabe a diferença entre a clara e a gema.
O descaso com a educação gerou isso a que estamos assistindo. O mundo do faz de contas, em sublime contraste com a realidade das casas. Não há democracia nisso, ao contrário, há uma faca que corta a jugular do tecido social. As universidades estão morrendo, as escolas do faz de conta estão em franca decadência.
Engana-se quem pensa diferente. Enquanto a educação for apropriada por governos e não como política de estado, nada disso vai mudar. A destruição é retilínea e cruel. Ninguém sobrevive a essa tragédia.
Criam-se corvos que lhes comem os olhos. Inventam-se modismos e falam em tecnologia voltada à educação como se vivêssemos na Finlândia e não no Brasil. É preciso, urgentemente, resgatar os princípios básicos da educação: cartilha e conta de somar, dividir, subtrair e multiplicar.
É fundamental investir nos profissionais que ensinam, dar-lhes dignidade e protagonismo no contexto social. Fazê-los aprender a ensinar e transformar o módulo mecânico das aulas, em práticas de encantamento. Não existe educação sem encantamento. Fundamental também é a escola como instrumento de acolhimento. Entender que educar não é dar aula somente, mas ajudar na formação integral do indivíduo, conhecendo a sua realidade, ajudando na transformação, atuando como agentes de crescimento . Mas para que isso ocorra é preciso colocar a educação como prioridade e não retórica de captação de votos.
Entra governo e sai governo e o panorama não muda, ao contrário, agrava-se. Há distorção inegável nos valores. Cantam os políticos a farsa da criação de universidades e políticas de inclusão dos mais carentes ao mundo universitário, apagando a fotografia real. São os famosos “sepulcros caiados”, bonitos por fora e podres por dentro.
O resultado não é culpa apenas do governo a ou do governo b, mas de todos. Cada um estragou o doce com uma colher aziaga, mas estragaram coletivamente. É só checar como eu estou fazendo. Não há segredo nessa barbárie. A prova da Fuvest trouxe análise de textos complexos e longos, gráficos detalhados, temas relevantes e fundamentais, mas completamente dissociados da realidade enfrentada pelos candidatos. Nada dizia respeito ao que eles vivem, aprendem e divulgam. É o universo conflitante do que deveria ser com o que é.
Volto a dizer que tenho muito medo do que há de vir. A realidade das ruas não me deixa alternativa. Não me espanta mais gente que acredita que a terra é plana, que vacina faz mal, que se estoca vento, que pede ditadura democraticamente, que acredita em comunismo no universo mercadológico, que investe em meritocracia, que proclama estado máximo e jamais mínimo, que repugna o mercado, que acredita que comunidade LGBTQA+ é fruto do demônio, que exalta a eugenia, que se encanta com fascismo e nazismo, que sonha em impedir o direito de expressar-se, que odeia as leis, que fazem as leis que elas querem e não aquelas que representam o povo, que elegem os sacripantas.
Decidi fazer o meu protesto. Vou bloquear as rodovias do meu pensamento e vou ficar cantando o hino nacional no quartel da minha indignação. Quem sabe, aconteça uma intervenção militar no meu fígado e eu deixe de ser tão amargo.