Errar é humano, e persistir no erro, burrice. O provérbio, conta a lenda de origem lusitana, deveria ser praticamente um mantra na vida das pessoas. Infelizmente, não é o caso de muitas pessoas, que insistem em tecer, cotidianamente, a chamada crônica da tragédia anunciada, para citar outra frase amplamente conhecida e altamente aplicável aos casos em tela.
Introdução feita, vamos à geleia geral, sem churumelas. Quem conhece um pouco do bom e velho Eduardo Schiavoni sabe que o politicamente correto não tem muito espaço comigo. Para o bem ou para o mal.
Então vamos lá: gostaria muito de entender o que leva um ser humano em sã consciência a escolher para morar lugares onde sua vida e saúde física é constantemente ameaçada. Sim, falo especificamente dos moradores da chamada Favela da Locomotiva, nas zona Leste de Ribeirão, nas proximidades do Aeroporto.
Evidentemente o problema social e perverso e o poder público tem sua parcela de culpa em não atender aos moradores daquela região. Claro que falta ação dos governantes, que deveriam existir soluções de habitação popular e inclusive contemplando a retirada das pessoas que lá vivem. Mas, a parte dessa importante questão, e de antemão já declarando a culpa dos governantes pela ineficiência, quero relatar um caso.
Como jornalista, realizei uma entrevista, há quatro anos, com um morador da Locomotiva. Tinha perdido televisão, camas, geladeira e o pouco que havia conseguido comprar para sua residência. Morava no local com três filhos, a mulher e a mãe, que era doente.
Neste ano, novamente dentro do meu trabalho como jornalista, encontrei a mesma pessoa, que, veja você, havia acabado de perder boa parte dos móveis de sua casa – uma cama e uma televisão – por conta de uma nova enchente.
Oras, a Locomotiva fica em uma área para onde toda a água que cai na região do Aeroporto converge. A água junta-se naquele local e as enchentes, ali, são inevitáveis. Independente da falta de estrutura e condição das famílias, aos meus olhos parece burrice perder, a cada ano – ou em alguns casos mais de uma vez por ano – todos os bens materiais que se consegue comprar por uma situação altamente previsível.
Opções há. Além da óbvia e necessária atuação do Poder Público, o morador que ilustra esse artigo poderia decidir, por conta própria, se estabelecer em outro local da cidade – e falo mesmo de, por exemplo, invadir e ocupar uma área que não alague, em outro ponto da cidade.
Continuar a morar em um lugar onde os alagamentos são rotineiros e constantes é o mesmo que continuar errando, seguidamente, num espetáculo macabro. É colocar a vida de cada um dos moradores em risco, bem como a saúde.
Erram os governantes, que permitem a ocupação de locais que não deveriam ser ocupados. Seguem errando os políticos, na medida que permitem que essas famílias sigam vivendo, à margem do Estado, onde não deveriam. E segue errando quando não toma medidas concretas para resolver o problema.
Entretanto, ainda que a fatia maior de responsabilidade seja do poder público, não consigo aceitar pessoas que se submetem a esse tipo de situação. É uma situação ainda mais errática do que o descaso do poder público, que é amplo e genérico, quase impessoal. Quando a pessoa decide assumir esse risco, é uma decisão pessoal, que impacta diretamente a vida de quem escolhe. É o continuar, eternamente, errando, esperando resultados diferentes do que a desgraça anunciada.