Isso já é mais que evidente dentro dos círculos bolsonaristas às claras, subindo trending topics no Twitter, repassando “informação privilegiada” em grupo de WhatsApp, e comemorando abertamente no facebook: é louvável que Moro e Dallagnol tenham agido dessa forma, ora. Para prender bandido, faz-se o que tem que ser feito e nada menos.
O vazamento a conta-gotas dá indícios de que não haja nada como o áudio do Juca: a declaração curta e grossa do plano; no caso da Lava-Jato, percebe-se a coisa pelo conjunto da obra. Pelo menos até agora, é claro. Argumentou-se por aí que com esse áudio do senador Romero Jucá vazado pela Folha de S. Paulo em 2016 deveria ter sido feito o que está fazendo o Intercept agora. Pode ser: de alguma forma, a coisa passou batido. Temo que agora aconteça o mesmo, mas pelo menos a abordagem é outra.
Uma abordagem que, por se dar dessa maneira, gera críticas que não são costumeiras na imprensa brasileira. Por deixar o peixe fritando, o Intercept vai atraindo atenção para si; mas não é apenas esse fenômeno inevitável que vem ocorrendo. Por algum motivo, tem-se realizado uma campanha de difamação contra o jornalista Glen Greenwald, responsável pelo caso, acusando-o até mesmo de ser criminoso. Ora, por que não chamaram de criminoso Rubens Valente quando escreveu a matéria da Folha em que consta os áudios entre Jucá e Sérgio Machado? Sabiam seu nome?
Tive que ouvir até mesmo uma crítica absolutamente estúpida que Marcelo Tas fez semana passado no Pânico, da Jovem Klan. O ex-apresentador do CQC diz que o que Glen Greewnald faz “não é jornalismo.” Logo em seguida, reclama da vez em que Glen simplesmente jogou no ar, anos antes, todas as informações da WikiLeaks de uma vez só na rede, sem filtro algum, e que porque está nos vazamentos um email em que há um convite para um café feito a Tas por um assessor de Hillary Clinton, ele é frequentemente associado às hegemonias norte-americanas, e em alguns casos, acusado até mesmo de ser espião dos EUA.
Isso foi sofrido de ouvir. O Emílio Surita pelo menos solta umas boas ainda (e tem um vozeirão), mas o Marcelo Tas é chato pra caramba. Ora, o que está fazendo o Intercept, agora em conjunto com os veículos de mídia mais relevantes do país, é o oposto, exatamente o oposto, do que Tas critica: invés de se soltar toda a informação, que no caso aparenta ser colossal (o que, como visto e apontado por Tas, gera confusão e desinformação, bem como invariavelmente acaba por revelar dados e conversas pessoais que nada têm de relevante para população), seleciona-se aquilo que julga-se ser de fato importante para a opinião pública.
É esse o trabalho do jornalista, diz Marcelo Tas, orgulhoso. “Contextualize sua informação, querido, e se você não tem braço pra isso, compartilhe”, ele acrescenta. Seu raciocínio já não faz nenhum sentido, afinal é exatamente isso que o Intercept faz, mas fica ainda pior, no que Tas revela uma total desconexão com a realidade: Glen Greenwald não tem nada a ver com o WikiLeaks. O caso que rendeu o Pulitzer foi o envolvendo Edward Snowden e a NSA, a Agência de Securança Nacional dos EUA. É inacreditável que essa cara tenha assumido o posto de Abu Abujamra no Provocações, da TV Cultura.
Essa é, claro, apenas a mais grave das críticas infundadas que se faz a Vaza-Jato, porém a maioria é simplesmente uma versão em menor escala de um raciocínio semelhante. A única crítica realmente válida e, no fim, eficiente, é a seu método; todo o resto é alguma forma, consciente ou não, de protecionismo à Lava-Jato, que não tem porque não passar pelo mesmo escrutínio que passaram antes tantas forças políticas públicas institucionais, bem como cidadãos. Ora, o que é isto? Onde já se viu? Criticar um jornal por vazar informação? O que é que se passa? Onde estavam vocês todos esses anos? Tipo, todos esses anos.
Imagina saírem às ruas contra a Folha e a Globo em 2016 quando vazaram os áudios do Jucá. Imagina sair às ruas quando o próprio Moro vazou os áudios entre Lula e Dilma?! Ora, não é, por último, a invasão de privacidade o problema? É qual, então? Imagine, até mesmo, protestos contra Watergate nos EUA… Não dá pra imaginar. Ou contra o Glen Greenwald quando ele editou, pelo The Guardian, a matéria que revela o esquema de espionagem global empregado pela NSA. Foi o contrário, a matéria e o jornal ganharam o Pulitzer. Aqui pedem a prisão ou a extradição do cara.
Uma aberração como essa ocorrer hoje no Brasil não revela senão que está desregulado o termômetro que a opinião pública no geral, tem da opinião privada; observa-se isso no que apesar de, certamente, liderar a opinião pública, a imprensa ainda assim é frequentemente incapaz de atentar-se a certos fenômenos definitivamente relevantes, até mesmo deliberadamente ignorando movimentos subalternos que depois parecem surpreender por sua força “imprevista”, como foi o caso de Olavo de Carvalho. Até mesmo no meio político e no acadêmico isso é notável, no que duvidou-se muito da possibilidade de Bolsonaro se eleger, e na verdade dentro de muitos círculos de esquerda, e até mesmo dentro do PT, disse-se em alto e bom som que Bolsonaro era o segundo turno ideal.
É esse o motivo pelo qual a Vaza-Jato pode sair pela culatra: ela parte do pressuposto que as as pessoas se importam com isso, em primeiro lugar. Ela coloca o Brasil num patamar ético acima do real, aparentemente; porque não, as pessoas não se importam com isso. Não importa que não se soubesse que o trabalho da esfera pública do judiciário se dê dessa maneira corriqueiramente – agora sabe-se disso e acha-se bom. É por isso que há de se pensar em como o Intercept tem realizado a Vaza-Jato, e em como pretende dar seguimento. Posso estar enganado, mas talvez não seja esse o melhor método; pior ainda, talvez não haja lá nada que possa indignar mais ninguém nesse país.