Combater a corrupção não é tarefa fácil. Primeiro, porque em regra, a corrupção emerge de dentro dos poderes, e litigar contra poderosos ou empoderados é uma luta na qual a desigualdade de forças é gritante. Em segundo lugar, aquele que cultua a corrupção pode ser comparado a um desenvolvedor de algoritmo ou a um papa da computação. É um verdadeiro cientista na busca incessante da sofisticação dos meios para atingir sua finalidade maior – o locupletamento ilícito.
Quem leu os apontamentos do cientista político Alberto Vannucci, professor da Universidade de Pisa, sobre a operação “mãos limpas”, na Itália, sabe do que estou falando. A “mãos limpas”, desencadeada na Itália no início dos anos 90, investigou seis ex-premiês, mais de 500 parlamentares e milhares de outros agentes. Centenas foram para a prisão. Houve treze suicídios. Foi um duro golpe contra a corrupção no âmbito da política e do colarinho branco na Itália, mas insuficiente para extirpar a roubalheira do dinheiro público naquele País. Isso, porque os corruptos foram se reinventando – desenvolvendo novos métodos, quer com a edição de leis permissivas, quer com a criação de novas técnicas criminosas. O resultado é que a política italiana de hoje é tão corrupta e desacreditada quanto aquela combatida pela operação “mãos limpas”.
Acredito que situação semelhante está a ocorrer em solo brasileiro. Em poucos dias o combate à corrupção sofreu duros reveses por aqui. Começo pelo fundo eleitoral e a nova lei que deve reger as eleições municipais de 2020. Se por um lado o governo fala em aperto orçamentário; corte de despesas com universidades federais; falta de recursos para investir em preservação ambiental e extinção de fomento à cultura, por outro lado, cerca de dois bilhões e meio de reais deverão irrigar o fundo partidário para as próximas eleições. Esse dinheiro advém dos tributos e contribuições que os brasileiros pagam no dia a dia.
É isso mesmo, recursos que saem de nossos bolsos, teoricamente para que tenhamos bons serviços de educação, de saúde, de segurança pública e de conservação de estradas, dentre outros, serão aproveitados pelos partidos políticos e, é claro, pela mal avaliada classe dos políticos. Com esse dinheiro, candidatos farão suas campanhas; poderão gozar de viagens aéreas, de bons prédios para seus comitês, de verbas para o pagamento de eventuais multas e contratação de advogados, com o fito de defendê-los perante a justiça, quando violarem a ordem jurídica. O que significa essa lei, senão a abertura de uma grande chaga na moralidade pública e no princípio de que o erário público deve ser tratado como sagrado pelos governantes, para o efetivo atendimento ao bem comum?
Mas, não paro por aí. Poucos dias após o desencadeamento de investigação criminal contra o líder do governo no Senado, o Congresso Nacional deu o troco contra aqueles, cujo trabalho é combater o crime e proteger o patrimônio público. Os mais relevantes (porque garantidores do bom trabalho dos atores do combate à criminalidade) vetos do Presidente da República à nova lei de abuso de autoridade foram derrubados, sob o comando dos Presidentes do Senado e da Câmara. Com a derrubada dos vetos, o cenário de intimidação a juízes, membros do Ministério Público e agentes policiais se restabeleceu. Agora, uma das maiores garantias do juiz e do membro do Ministério Público para o fiel desempenho de suas funções, a liberdade de convicção, passou a ser uma ameaça de processo crime para esses profissionais da justiça.
Por essas e outras, caros leitores, quem apostou que a operação “lava jato” seria o golpe de misericórdia na corrupção em nosso País está em vias de perder a aposta. O afrouxamento de leis e de mecanismos de combate à corrupção é uma das principais estratégias para enfraquecer o trabalho daqueles que tem a missão constitucional de combater o crime e de lutar pela preservação do Estado de Direito. Parece mesmo que o pós-operação “mãos limpas” na Itália inspirou os políticos por aqui.
Eu gostaria de terminar esse artigo apontando o Poder Judiciário como a tábua de salvação para o restabelecimento do espírito de legalidade e moralidade que tanto empolgou a sociedade brasileira nos últimos anos, sobretudo com o banimento da vida pública e a prisão de dezenas de políticos, além do encarceramento de poderosos empresários, envolvidos em esquemas de propinas. Contudo, receio não poder fechar o texto com essa assertiva.
Ao invés de resistir à escalada da bandidagem para garantia de impunidade, a Corte Suprema do País está trilhando o caminho contrário. Escorada em tese novidadeira e de juridicidade totalmente duvidosa, a maioria do STF acabou de colocar em risco, nos últimos dias, condenações que emergiram de árduo trabalho da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário de primeira instância. A turma da corrupção, do desvio de dinheiro público, além de traficantes, milícias e outras correntes criminosas estão a festejar. Para esses malditos bandidos a sensação é de “liberou geral”. Para as pessoas de bem a decepção, o desalento e a revolta são os sentimentos dominantes.
É possível que o povo volte às ruas para protestar, mas não há garantia de que sua voz será ouvida. O criterioso exercício do direito de votar continua sendo a última esperança para a reversão do triste cenário atual.