Home Notícias Cotidiano Abandono afetivo: falta de amor pode causar prejuízo no bolso

Abandono afetivo: falta de amor pode causar prejuízo no bolso

0
Abandono afetivo: falta de amor pode causar prejuízo no bolso
Imagem ilustrativa de crianças durante interação - Foto: Divulgação

A Justiça brasileira tem se manifestado, em decisões recentes, no sentido de indenizar filhos que ingressaram com ações contra seus próprios genitores acusando-os de abandono afetivo. O montante das indenizações pode chegar a centenas de milhares de reais, em alguns casos.

Embora cause impacto em um primeiro momento, o chamado dano moral por abandono afetivo é uma forma encontrada pelo Judiciário para responsabilizar o genitor que não dá suporte emocional ao filho.

Para ser configurado, exige que o filho comprove, na Justiça, os danos psicológicos sofridos por conta da ação de seu genitor, bem como prova inequívoca da ação que causou o problema. Tem como base a proteção da dignidade humana, notadamente o desenvolvimento saudável da criança, ambos temas priorizados pela Legislação brasileira e internacional.

As recentes decisões dos tribunais, entretanto, têm lançado luz sobre a questão, que passa a ser discutida com mais profundidade. Até que ponto é possível para as leis cobrar afeto dos pais para com os filhos? Até que ponto o Estado tem o direito de interferir na vida das pessoas, tornando o amor uma obrigação?

São questões difíceis de se analisar e não possuem resposta única.

A visão dominante, especialmente com o advento do liberalismo, é que o Estado não deve interferir na esfera íntima de seus integrantes. Não cabe ao Estado dizer do que uma pessoa deve ou não gostar, mas sim tutelar as relações entre as pessoas, coibindo crimes e regulando as ações que afetem o coletivo. No individual, o Estado não entra – a menos que uma questão íntima, quando manifestada, fira as leis.

Nesse sentido, como punir a falta de amor e afeto? Afinal, nada pode ser mais íntimo e pessoal que isso.

Em alguns casos, quando o abandono afetivo vem acompanhado e abandono financeiro – como no caso do genitor ou genitora que simplesmente abandona os filhos e não busca qualquer contato com eles – a atuação do Judiciário torna-se menos complexa. Mas e no caso do genitor (a) que cumpre com suas obrigações financeiras, mas não nutre sentimentos pelo próprio filho?

Aí sim temos um terreno mais pantanoso, e a Justiça se arrisca ao entrar nessa bola dividida.

Constituição de 1988

Fato é que a Constituição de 1988 prima pela proteção à dignidade da pessoa humana, com especial ênfase para a formação da criança. É dever dos pais proporcionar as melhores condições para o desenvolvimento delas, o que inclui dar suporte emocional e afetivo, além do financeiro.

Quando um dos genitores não oferece as condições de afeto para o florescimento integral da criança, certamente é um comportamento que contraria os princípios constitucionais. Mas até que ponto essa situação pode ser relativizada, e até que ponto o Estado pode tentar resolver uma questão de foro íntimo de seus cidadãos? Esse é o ponto.

Mexer no bolso pode, sim, ter um efeito salutar. Sob risco da perda do patrimônio, o pai ou a mãe que deixa seus filhos em terceiro plano na vida podem fazer adaptações para que passem a priorizá-los. Não se pode negar que esse tipo de coerção pode, sim, funcionar – ainda que seja muito complexa sua aplicação.

As recentes decisões dos tribunais vão exatamente nessa linha, mas é preciso cuidado. Se usadas indiscriminadamente, sem uma análise minuciosa, corre-se o risco de uma mercantilização do afeto, o que desvirtuaria completamente os nobres objetivos da Constituição de 1988.