“A tristeza é senhora”, diz Caetano Veloso em uma de suas canções. Na letra (ou será na vida?), as coisas ruins demoram, custam a passar. Só a música pode apagar esse sentimento, segue o artista. Leon Tolstói (1828-1910), o grande escritor russo, na abertura do livro “Anna Kariênina”, sentencia: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.
Escolhi esses dois textos para iniciar um rascunho sobre a possível ligação entre felicidade, tristeza e amor. Não o amor romântico, erótico. Mas o amor como sentimento que enaltece o ser humano, que nos proporciona conhecer o lado mais bonito e essencial da vida.
É evidente que não há uma definição única para o termo amor. Assim como não se define a poesia. O grego Platão (428-348 a.C.) foi o filósofo que mais abordou o assunto. Para ele, o amor deixa de ser puramente físico para buscar o que é grandioso, belo, e que estaria num plano superior. A beleza era o objetivo da vida. O belo se assemelhava ao que era perfeito. Lembro-me aqui do poeta Ferreira Gullar (1930-2016), que certa vez disse que a vida não tinha sentido, mas tinha beleza.
Se ouvirmos o filósofo holandês Espinosa (1632-1677), ele nos dirá que o amor é o elemento que produz a amizade e que não podemos viver sem amigos. Afirma que o amor nos leva ao único bem verdadeiro, o conhecimento. Que o amor nos coloca em contato com Deus e, conhecendo a Deus, estamos a conhecer a nós mesmos. Deus para Espinosa é toda a natureza, tudo que somos e o que nos envolve, diferente do que dizem as religiões monoteístas, que imaginam Deus com a forma de um homem. O amor também estaria ligado aos estados de felicidade ou tristeza. Conhecer a si mesmo é uma das máximas do mundo e, para muitos, a suprema felicidade.
Para mostrar que o tema possui muitas variantes, o francês Auguste Comte (1798-1857) inspirou os dizeres da bandeira do Brasil com a expressão: “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Embora defendesse o amor como fundamento das relações humanas, ele também entendia que os homens não deveriam ter direitos, porque isso lhe parecia individualista demais. E sim, deveriam ter deveres, que pressupunham algo mais coletivo, social. Também entendia que o papel da mulher era o de educar os filhos, cuidar da casa e obedecer ao marido. Hoje, está mais do que claro que não se pode entender o domínio do homem como atitude de amor. Pois, devemos nos perguntar: há felicidade ou tristeza numa relação de submissão dessa forma?
Vejamos, ainda, o Novo Testamento, do qual podemos tirar alguns significados para o termo, para a palavra amor, como: philia (amizade), storgé (afeto) e ágape (a doação sem espera de recompensa, ou seja, a caridade). “Ágape”, aliás, é o título de um dos livros do padre Marcelo Rossi, recordista de vendas. No apóstolo Paulo, encontramos uma das passagens mais belas do livro: “Ainda que eu falasse a língua dos homens / E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria”. Acho que você deve ter se lembrado da música “Monte Castelo”, da Legião Urbana, não é?!
Afinal, a tristeza é realmente “senhora” de nossa vida? Caetano estaria retratando a tristeza apenas como “ferramenta” para compor canções, no caso os sambas? Ou será que podemos tomar a frase como metáfora da vida, e só a beleza, a arte, a comunhão podem nos tirar desse estado? E Tolstói, hoje, estaria desatualizado? Será mesmo que as famílias, as pessoas infelizes, são infelizes de maneira única? Ou, neste novo século, estamos manchados da mesma lama que nos coloca, quase todos, adoecidos por problemas comuns, afins, semelhantes?
É certo que o Brasil e muitas partes do mundo se agravam num misto de intolerância, incompreensão, indiferença e ódio. Mas ódio não me parece a melhor definição de oposição ao amor. O oposto de amar é adoecer, é acinzentar a vida para o fim, com todos os males que nos reduzem a seres menores, medíocres.
É urgente repensar nosso comportamento diante do que vivemos. Onde ou quando, pelo caminho, esquecemos o amor? Escolhemos um roteiro, um caminho que privilegia o egocentrismo, a vaidade, o orgulho, uma imaginária razão, um tanto sombria, pelo simples gosto de estarmos certos. Como se a nossa certeza pudesse esmagar o ponto de vista do outro. Aqui no Brasil, beiramos o abismo de reprovar a democracia, como vemos por esses dias, em troca de um projeto pessoal, de alguns brasileiros que querem reeditar, a seu modo, o que merece ser livre e o que deve ir para o esquecimento.
Sobre máquinas de fabricar o amor? Certamente não conseguiríamos produzi-lo como se é. Mas podemos usar o que temos, como a empatia. A cabeça pensa onde os pés pisam, não é isso? Sair do nosso cômodo ponto de vista que nos mantém paralisados, à parte da vida. A beleza de amar quem nos acompanha não pode ser enferrujada pelo tempo, pela vaidade de achar que somos mais, quando na verdade só deveríamos estar em busca de ser.
Por fim, de todo esse amontoado de poucas coisas que disse, deixo um poema do meu novo livro, “A última estrela tropical” (Editora Patuá), que fala da necessária resistência do amor.
Poema XXIX
Tarde as tendas da alma se abrem ao sol. Tudo é tão perto, e distante o amor, paralisado. Escrevo desarmado de palavras, como quem planta abraços de papel. Aqui assento meus pensamentos. A inatingível espera da vida que não és. A cidade está vencida, as flores, os ídolos, a vida vencida. Deixa que alguma luz limpe o teu rosto. Que o sal marinho queime as tuas tardes de melancolia. Não, o tempo não chegou de completa justiça. Somos todos inocentes. Seres de avolumados cabelos, pernas e tônus muscular. Temos olhos e tato. E fábricas onde se fabricam cartazes e sobremesas de medo. Onde te escondes mais, é ali que existes. Guardo uma canção antiga num peito cansado. Guardo apenas o ar necessário para encerrar este poema. Minha casa é a rua, a ruína, o relento. Mas meu corpo ainda respira, e deseja amar. (João Augusto)