Estudantes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) buscam alternativas para ampliar o conhecimento adquirido em sala de aula, por meio da assistência a grupos de moradores em situação de vulnerabilidade da cidade e da região. Uma dessas iniciativas, o projeto Veredas, nasceu em 2016 e entregou, até agosto de 2019, cerca de 1,3 mil atendimentos e distribuição de 211 pares de óculos.
O projeto Veredas nasceu a partir da identificação dos alunos de decidir “quebrar os muros da universidade”, recordam Guilherme Augustini Monteiro e Bárbara Marcusso, alunos da FMRP e atuais coordenadores do projeto.
A importância da iniciativa é verificada na prática. Maria Lucilene Pereira da Silva aguardava atendimento ginecológico na rede pública há mais de um ano. Ela é moradora do Assentamento Mário Lago, na zona rural de Ribeirão Preto, o primeiro local a receber o projeto, em 2017, quando a iniciativa saiu do papel.
Ela conseguiu a consulta neste ano, só que no projeto Veredas. Maria Luciene não foi a única moradora do local beneficiada. A assistência médica já chegou a 800 famílias, no total de mais de 3 mil pessoas.
Demanda
Maiane Gonçalves de Souza, 30, conseguiu o atendimento dermatológico que necessitava por meio do projeto Veredas. Ainda na fila de espera, ela é só agradecimento pelo atendimento tão perto de casa. “Serei atendida e já vim outras vezes e é muito bom. Está ajudando muitas pessoas aqui dentro”, relata ao Jornal da USP a paciente, oriunda de Malacaxeta, Minas Gerais, residente há 17 anos no assentamento.
“Temos um hospital com alta tecnologia e estamos a meia hora de uma área onde existem pessoas que não têm acesso ao hospital. Se nós não viermos até eles, eles nunca vão conseguir chegar até nós”, afirma ao Jornal da USP João Marcello Fortes Furtado, tutor do projeto e professor de Oftalmologia da FMRP.
Na tentativa de mudar essa realidade, o Veredas leva atendimento a essas pessoas durante todo o ano, pontuado por ações de mutirão para necessidades específicas. Em média, cada atendimento conta com a participação de 50 alunos de medicina. Desde 2018, o grupo conta com equipes multidisciplinares que envolvem professores e alunos de fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, nutrição e farmácia.
Toda a demanda é atendida e, caso necessário, são solicitados atendimentos de especialistas e exames, encaminhados às unidades de saúde de Ribeirão Preto mais próximas ao Assentamento Mário Lago. O acompanhamento é feito pelo médico generalista da unidade de saúde local, em um trabalho integrado.
A equipe do Veredas ainda organiza atividades de educação em saúde, quando abordam temas solicitados pela população ou com maior demanda de ocorrências.
Parceria
Sensíveis às necessidades da comunidade, os coordenadores do projeto já fizeram parceria com a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) e costuram outra com a Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP), ambas da USP, para também oferecer atendimento odontológico no local, especialidade com alta demanda.
Julieta Mieko Ueta, professora e tutora da FCFRP, destaca que os estudantes e residentes farmacêuticos atuam levando informações sobre remédios. “O uso correto do medicamento é sempre uma preocupação”, enfatiza a professora ao Jornal da USP. Ela também entende o projeto como uma experiência única na formação dos alunos.
O Assentamento Mário Lago foi o primeiro local escolhido para a implementação do projeto, mas a equipe já realizou atendimentos no presídio e centro de detenção de Serra Azul e no asilo de Igarapava, com o mesmo princípio de levar assistência a pessoas em vulnerabilidade social.
O professor João Marcello Fortes Furtado divide a tutoria do Veredas com o colega Fábio Carmona, professor de Pediatria, e com os colaboradores do projeto, os professores Marco Andrey Cipriani Frade, da Dermatologia, e José Sebastião dos Santos, da Cirurgia, todos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
Experiências
A comunidade não é a única beneficiada pelo Veredas, na avaliação do professor João Marcello Fortes Furtado. “É tão bom para os estudantes quanto para a população, todo mundo sai ganhando. Isso é nítido”, afirma o docente. Essa troca, de acordo com o professor, é importante para que os alunos tenham experiências diferentes e estejam em contato com uma comunidade mais carente.
Os benefícios do projeto continuam, segundo os tutores, levando informações através de aulas abertas a todo o público da faculdade e também para participantes de simpósios. Nessas aulas na faculdade, são apresentados temas pouco discutidos durante a graduação, entre eles, regulação em saúde, moléstias infecciosas do trabalhador rural, abordagem feminista no atendimento ginecológico e atendimento centrado na pessoa.
Residentes
O Veredas conta com uma rede de colaboração que vai além da equipe multidisciplinar e envolve também os residentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto como voluntários. “A visibilidade do projeto levou a residência em Medicina da Família a ter, como estágio obrigatório, atendimento no assentamento”, diz um dos coordenadores do projeto, o aluno Guilherme Monteiro, ao Jornal da USP.
Para Milena Muniz, voluntária no Veredas e médica contratada do hospital, foi um ganho importantíssimo para esses residentes e extremamente bem avaliado por esses profissionais. “É importante exercer uma atividade num território totalmente diferente, território rural, e ofertar acesso a comunidades geograficamente desfavorecidas”, avalia.