O que é ser ético? Como me comportar perante a ruína de quem não gosto? Me regozijar, torcer pelo pior?
Não desejemos o mal a (quase) ninguém, diria a conhecidíssima música de Lulu Santos.
Vejo ainda pessoas desejando o mal, ou até mesmo celebrando a enfermidade de pessoas, principalmente do político com o qual não temos a mínima afeição.
E assim reflito, é possível amar ao inimigo?
Trago uma proposta. Não é fácil. Advirto: este texto é escrito para quem acredita nas ciências humanas e na evolução da espécie, da civilização.
Podemos muito bem discordar do outro, desgostar de suas posturas, não querer por perto e lutar para que a justiça lhe seja aplicada.
Mas há limites morais; sociais, no mínimo.
A Lei do Talião da qual se pune a maldade praticada na mesma e exata medida, felizmente decaiu no conceito civilizatório na evolução dos direitos humanos. Aqui me afasto da barbárie daqueles que acham que os “direitos humanos” seriam duas palavras para salvaguardar malfeitores da lei de torturas e mortes arbitrárias. Sim, é possível querer a punição do bandido e ainda assim entender que o direito a um julgamento justo não lhe é afastado em razão do tipo de crime que está sendo acusado. Querer o mal, a qualquer custo, mesmo de quem não mereça nosso apreço, não é uma atitude, diria, mais inteligente.
Amar ao inimigo não é utopia, é uma prática/propósito de vida. E veja, amar o inimigo não implica em votar ou em concordar com ele: mas outorgar-lhe o mesmo que o seu adversário pensa sobre você e o seu candidato de preferência. Amar não é apenas tolerar ou respeitar dentro de um contexto de uma relação social. É entender que existe outros além de nós mesmos.
Kant assenta a fórmula da humanidade, em que apregoa que “aja somente para usar a humanidade, em sua própria pessoa como na pessoa de qualquer outro…”. Também disse em seu imperativo categórico ensinamentos similares à “regra de ouro” de todas as principais religiões:- fazer aos outros aquilo que gostaria que fizessem com você. É a ética de reciprocidade.
É alteridade, é humanismo, é respeito, é sinal de que não retribuiremos a negatividade com algo ainda pior.
Em Freud, temos a alteridade na qual não é possível falar do eu sem o outro; o eu é o outro.
Na Bíblia Sagrada dos cristãos, em João 13:34, tem-se um mandamento-mor, um testemunho do amor pleno, sem retributo, em que deve-se amar aos outros assim como Ele amou aos homens. Assim, quando desejamos o mal ao outro, também estamos sendo portadores da falta de amor a nós mesmos, na humanidade, e para com Deus (aos que Nele creem). Cuidado com as palavras, pois refletem na fala aquilo que está em nosso coração (Mt 12:34) – e não no do outro.
No judaísmo, no Talmude, Shabbat 31ª: “O que é odioso para ti, não o faças ao próximo. Esta é a lei toda, o resto é um comentário”.
No islamismo, o quatro pilar de sua fé tem nos ditos (“ahadice”) do profeta Maomé, compilado por Bukhári e Musslim: “Nenhum de vós chegará a ser um verdadeiro crente até que deseje para o seu irmão o que deseja para si mesmo”.
Como então achar normal que o ódio seja a linguagem dominante, que o desprezo, a polarização, o antagonismo ganhem o papel de destaque?
Chiara Lubich deixou-nos um testemunho de vida, do amor como dádiva. Sua Obra baseia-se na cultura da unidade, que todos sejam um, exigindo-se apenas o amor. Quem ama não tem tempo para odiar ou sequer para ansiar pela piora do outro. A cultura da unidade, pois, conclama a amar, principalmente o adversário, o diferente. É um amar diverso. Não é o amor “eros”, romântico, dos namorados. Tampouco o amor “philia” para com amigos, irmãos e pessoas do convívio mais restrito. É o amor ágape, o amor pleno, o amor que não encontra barreiras, o amor no outro, sem retributo. Existem estudos sociológicos em expoentes Axel Honneth e Gennaio Iorio, cujo este último autor italiano nos ensina: “do ponto de vista da ação social, definimos a ágape como uma ação, relação ou interação social na qual os sujeitos excedem (no dar, no receber, em não retribuir ou não fazer, em deixar andar) em todos os seus antecedentes e oferecem mais de quanto a situação o peça com a intenção de gerar benefícios. Portanto, a excedência é a característica típica da ágape”.
Divergir, conclamar, reivindicar. Lutar e combater. Querer o justo! Mas antes, respeitar, acolher e amar. Pluralmente, sem discriminações.
Se ansiamos por uma sociedade menos dividida e que busque o bem comum, devemos praticar o amar. Até aos inimigos.
Afinal, ao amar ao próximo, estar-se-á praticando um ato de amor para com si mesmo. Quebra-se o egoísmo, a individualidade e a vontade de sobressair-se. Muito há que ser feito, em nosso ciclo familiar, profissional e, sobretudo, social.
E lanço o desafio: o quanto estamos dispostos a livrar-nos dos nossos ressentimentos para sermos melhores pessoas?