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Para Bolsonaro, morrer parece um exagero

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Quando uma pessoa torna público o que pensa, com discursos, ações ou comportamento, ela está externando aquilo que a construiu, desde a infância, os anos na escola, a educação em casa, as companhias, as referências de vida, os livros que leu, os êxitos, as frustrações, as informações que foi recebendo e o que fez com tudo isso. Certa vez, Nelson Mandela disse que ninguém nasce odiando outra pessoa por conta da cor de sua pele, por sua origem ou religião. As crianças crescem e aprendem a odiar. E, assim como aprender a odiar, elas podem aprender a amar. Mandela morreu em 05 de dezembro de 2013, aos 95 anos. Passou 27 deles na prisão, por lutar contra o governo branco que oprimia os negros na África do Sul. Sua prisão teria acontecido com participação da CIA e mantida com apoio dos Estados Unidos, durante todo aquele tempo.

Hoje, novamente, o mundo passa por momentos difíceis, e podemos mais uma vez aprender com eles, crescer como pessoas, da mesma forma que entendia Mandela. Mas estamos diante de líderes que, em favor do poder econômico (ou da vaidade, da estupidez), tratam a vida como um bem descartável. Todos têm direito de analisar a realidade e tirar suas conclusões sobre ela. Afinal, cada um tem uma história única, diferente da história de todos os demais 7,7 bilhões de seres humanos no planeta. Mas por que tantas vezes nos formamos tão mal como pessoas? Por que é frequente quem defenda atitudes homicidas, desumanas, violentas, odiosas, em vez de escolher o caminho que preserva a bondade, a generosidade, a cooperação, a fraternidade, a doação, o amor?

Uma das respostas pode estar na distância construída para separar as pessoas dos livros, das artes, do conhecimento. Nunca, em tempo algum, foi dado ao povo o direito de entender que podemos ser criaturas melhores, mais autônomas, com capacidade de refletir, de tomar decisões, de escolher o próprio destino, de experimentar a liberdade. E esse é um caminho que um dia precisará ser feito.

Mandela não se curvou ao regime cruel em seu país. Ele lutou de dentro dos presídios por onde passou, leu livros, fez faculdade de Direito por correspondência, pela Universidade de Londres. Durante os 27 anos que esteve preso, foi um homem perseverante em favor da vida. Isolado num pensamento pequeno e imaturo, de outro lado, ontem à noite o presidente do Brasil contrariou as recomendações mundiais sobre risco de morte pelo novo coronavírus, que está fazendo vítimas em mais de cem nações. Apoiou-se em exemplos risíveis, irresponsáveis, numa tentativa de ganhar a opinião popular. Brincou com a seriedade do problema e foi duramente criticado por médicos, especialistas e autoridades.

É uma pena que boa parte dos brasileiros não saiba que há pouco tivemos Mandela. Que Bolsonaro é um político que nunca produziu nada em favor da pátria. Foi um militar dado como indisciplinado, como apontam jornalistas e ex-companheiros de farda. Quem conviveu com ele testemunha uma história vazia. O que Bolsonaro preencheu foi a lacuna aberta na política nacional, plantando ódio e colhendo votos, despertando nos brasileiros um lodo de sentimentos que não deveria haver no âmago de ninguém.

Pelo coronavírus, já são mais de 17 mil mortos em todo o mundo. Muitos outros milhares morrerão amanhã e depois. E seguem morrendo em nosso país, também. Mas para Bolsonaro morrer parece um exagero. É apenas uma gripezinha, como disse, que não deve assustar. Há uma farsa sendo encenada, repete quase sozinho. Por essas e outras, o Brasil, que deveria amar os livros, para saber ensinar a amar a pátria, se mantém acéfalo em seu cargo maior.

Mandela foi presidente da África do Sul, recebeu o Prêmio Nobel da Paz e ofertou a milhões de pessoas uma chance pela vida, um recomeço. O que deixará Bolsonaro para os brasileiros? Que mensagem está transmitindo com sua conduta? Todos esses fatos nos fazem parar por um instante e afirmar: precisamos recomeçar como pessoas. Não porque a vida é uma ordem, como disse Drummond, traduzindo a secura e o sofrimento dos tempos em 1930 e 40. Mas porque viver é fazer de cada passo um passo com alguém, é descobrir que somos em nós todas as pessoas que nos cercam. Viver, enfim, é fazer do amor sua forma de pertencer ao mundo. E está dito o necessário.