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Bolsonaro tudo ou nada

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Bolsonaro tudo ou nada

Se eu entendi direito, Bolsonaro armou uma arapuca para a Globo, que caiu como um pato. Se entendi direito, cancelou a assinatura da Folha de S.Paulo dentro de todos os prédios do governo federal, coisa que foi pouco ou nada noticiado pela imprensa. Se entendi direito, Ali Kamel, diretor de redação da Globo, disse afinal que nunca viu a imprensa ser utilizada de forma tão “esquisita”.

Posso estar entendo tudo errado, mas ainda que não esteja tudo esclarecido quanto aos acontecimentos no condomínio Vivendas da Barra na tarde de 14 de março de 2018, o núcleo bolsonarista pregou uma peça na equipe de jornalismo da quarta maior rede de televisão do mundo, o que por si só já é um fato bastante notável. Ali Kamel admite, e até orgulha-se do fato de sua equipe de jornalismo ter seguido até o fim a pressão por uma reportagem que incriminava Bolsonaro e que veio, veja só, de fontes do núcleo duro do bolsonarismo que, não obstante o vazamento, até mesmo cobraram da Globo a divulgação da matéria.

Ora, se era sabida a fonte não era necessária a live alucinada e tuíte-resposta prontamente compartilhado pela manhã por Carluxo com a refutação perfeita para perceber que a pista fedia. É tudo muito estranho, penso. Porque a Globo está certa em ter seguido e divulgado, cumpre com sua função. Mas ao mesmo tempo, o que significa esse vazamento interno? Trabalhamos com a hipótese de o clã Bolsonaro estar envolvido com o assassinato da vereadora Marielle Franco ao mesmo tempo em que joga verde com a acusação – a mídia. Parece bastante arriscado, mas parece ser o que está acontecendo. À hipótese só vejo duas possibilidades, e elas tem o mesmo fim, na verdade.

As possibilidades são: os Bolsonaro não estão envolvidos com o assassinato de Marielle, por isso estão utilizando as acusações para evidenciar quão enviesada é a mídia, ou estão envolvidos no assassinato e estão tentando utilizar da posição de réu para vitimizar-se e crescer diante do inimigo. Em ambos os casos, ocorre uma disputa aberta com a mídia pela narrativa, bastante aberta, na verdade, Bolsonaro aponta em a, b e c onde a Globo estaria mentindo e mostra porquê. Ainda que o caso não esteja esclarecido, Bolsonaro vai firmando seu contraponto.

O fato é que caso estivessem isentos de culpa, como acontece para qualquer um que é inocente, não teriam motivos os bolsonaristas para disputar a narrativa e soltar a tal verdade aos poucos, como aconteceu quando o advogado de Bolsonaro foi entrevistado pelo Jornal Nacional e omitiu ter conhecimento de que o porteiro que assinara o registro de entrada não era o mesmo ouvido no sistema interno da portaria da condomínio. Se tivessem palavra, para dizer numa só, não seria necessário engatar na guerrilha ontológica.

Portanto, é provável que estejam os Bolsonaros envolvidos no assassinato de Marielle. Mas isso já estava claro, porém não é totalmente certo. Por mais que seja provável, não é uma certeza, então vamos lá descartar e ficar com o que é seguro: apesar da publicidade de seu provável envolvimento no assassinato da vereadora, Bolsonaro ainda assim arriscou armar uma armadilha contra a mídia, no que foi bem sucedido. Pegou-a de calças curtas ao mostrar poucas horas depois que seus fatos não batiam com a realidade. Beleza, Lauro Jardim disse ontem, 04 de novembro, e nada se desenvolveu disso desde então, que o porteiro que assinou o registro apontando que Seu Jair autorizou a entrada de Élcio Queiroz à casa 58 não é o dono da voz ouvida no áudio compartilhado por Carluxo no Twitter na manhã seguinte a matéria do Jornal Nacional do dia 29 de outubro. Mas o estrago já está feito.

E ainda que não esteja tão feito assim, e a imprensa não tenha ficado tão descredibilizada, preocupa-me o que está fazendo Bolsonaro. Percebo estratégia. Logo no dia seguinte Eduardo Bolsonaro veio com a conversa de AI-5. Sim, é abismal, nossa, todos repudiaram. Ora, dois anos atrás qualquer um repudiaria um Presidente Bolsonaro. Prestem atenção, Bolsonaro está no tudo ou nada. Ninguém aguenta mais três anos de governo nesse ritmo, e ele está prestes a ser pego no caso Marielle, então é isso: autoritarismo ou fora. Eles vão partir pra cima, já partiram, armaram contra a mídia e teriam sido pegos, mas dane-se a verdade, dane-se o que realmente se passou quanto ao porteiro, o Jornal Nacional ter de vir se retratar na noite seguinte já é humilhante o suficiente.

Já disse antes e repito: a presença de Olavo de Carvalho no núcleo duro do governo não é simbólica. Alguém ali, não sei quem ali no núcleo duro, fora os ministros claramente olavetes, leu e, de de certa forma, compreendeu Olavo de Carvalho, Eduardo e Carlos, me parece. Eduardo absorveu uma versão deturpada que o astrólogo tem da geopolítica internacional baseada na tal decadência do Ocidente, enquanto Carlos aparenta ter compreendido e dominado a maioria das técnicas de programação neuro-linguística difundidas por Olavo.

Esses dois aspectos formam, afinal, o cerne do pensamento e da estratégia olavista, por isso acho que torna-se cada vez mais evidente que errava a imprensa toda vez em que buscava retratar o Olavo de Carvalho como uma caricatura do que há de mais atrasado na direita. Eu já escrevi e pesquisei muito sobre o Olavo de Carvalho, e confesso que toda vez que levava a cabo outro texto perguntava-me se não estava a perder o objeto, tratando de coisas já inúteis.

Não: Olavo é o que há de mais moderno na direita, seus pensamentos e suas técnicas, que não são criação sua, na verdade (coisa que o escritor admite sem delongas) já dominam e devem expandir-se ainda mais pelo mentalidade ocidental. A esquerda devia buscar copiar seus métodos se quisesse dominar o mundo. No caso presente o que mais me chama atenção é acusação de Bolsonaro a Witzel, no que o presidente diz que o governador do Rio teria vazado à imprensa as informações sigilosas que relacionavam-lhe ao caso Marielle Franco.

Se entendi direito o Foro de Teresina (podcast da revista piauí) da semana passada, o que aconteceu na verdade foi que Witzel soltou a Bolsonaro que ele estava sendo investigado. Ora, a informação de que o presidente estava sendo investigado pelo STF vazou à mídia de dentro do próprio círculo do presidente. O que ele fez foi inverter as polaridades: se a Globo está sabendo, e se teve então um vazamento à rede, e se é sabido que Witzel vazou informação (a Bolsonaro), divulga-se então que Witzel divulgou a informação a Rede Globo. É uma meia verdade: o vazamento chegou à imprensa, sim; Witzel vazou informação sigilosa, sim.

É guerrilha ontológica – a disputa pelo significado das palavras através de métodos não convencionais. Existem já duas realidades claras e conflitantes, o que não é, na verdade, nenhuma novidade na relação governo-mídia. Porém, o que espanta é uma equipe supostamente tão mal articulada conseguir passar a perna na Rede Globo. A não ser que eu tenha entendido tudo errado, repito! Mas parece que estão vindo pra cima, e o escopo da paulada é mesmo preocupante. No dia seguinte mesmo à divulgação da matéria pelo Jornal Nacional veio à tona que algumas das promotoras responsáveis pelo caso Marielle Franco eram abertamente bolsonaristas. Elas foram prontamente desligadas, mas fica em aberto o viés estatal perante o embate.

No mesmo Foro de Teresina conta-se como a pista original da Rede Globo só foi percebida por causa de uma foto presente no arquivo do celular da esposa de Ronnie Lessa apreendido pela polícia que teria caído nas mãos da Rede Globo. Aparentemente, após a Globo seguir a pista, descobriu então que o Ministério Público já havia também a encontrado. O celular já estaria em posse da polícia antes, mas a Globo só encontrou a foto e confirmou a ciência do MP em outubro. A própria hipótese de jornalistas investigativos perceberem antes ou junto do poder informações bastante relevantes ao assassinato mais importante dos últimos anos já é, por si só, bastante preocupante.

Fica isso, estamos estagnados no dia de hoje, da informação do Lauro Jardim não desenvolveu-se nada ainda. Surgiu no Twitter conversas de que um número de generais teria deixado o governo na ciência de que havia uma bomba atômica a ser solta pela Globo, mas por enquanto nada, então ficamos por aqui. Mesmo que a bomba saia e seja real, é de levantar a sobrancelha o que tenha acontecido, não só a matéria, mas tudo que veio antes, e depois. A carta de Ali Kamel é muito estranha, suas palavras são estranhas. “Esquisita”, na verdade, é a palavra que ele usa para referir-se à maneira com que o governo tentou dobrar a imprensa. Pergunto-me o que alguém que é diretor de redação da Globo há décadas pensa por “esquisito”. E também a Folha: se Bolsonaro tem de esperar até 2022 para não renovar a concessão da Globo, nessa semana mesmo cancelou a assinatura do maior jornal do país dentro dos prédios do governo federal.

A guerra já está declarada, e ela é, bem ao molde olavista, pela informação.