Em se tratando de alimentos, é de conhecimento geral que o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de commodities agrícolas como grãos, carne de boi, frango e frutas. A novidade está em saber que o Brasil é também o maior exportador mundial de alimentos industrializados. É o que afirma a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que divulgou dados referentes a 2023 em que o Brasil exportou 72,1 milhões de toneladas, ultrapassou os Estados Unidos em volume exportado e assumiu a liderança desse ranking. No entanto, segundo especialista em comércio exterior, manter a posição de liderança vai depender dos cenários interno e externo.
O bom desempenho se reflete em um crescimento de 11,4% em relação a 2022, e de 51,8% em relação a 2019, segundo afirma a Abia. Os resultados dessa performance impactam a balança comercial brasileira, garante o professor Eliezer Martins Diniz, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP. “Quando se olha o quanto foi exportado em alimentos industrializados em 2023 chegamos a US$ 62 bilhões. É um avanço muito grande em relação a 2021, por exemplo, quando foram comercializados US$ 45 bilhões, ou seja, um incremento de US$ 17 bilhões em três anos.”
Segundo o professor, os US$ 62 bilhões de exportação do setor em 2023 responderam por 18% do total exportado pelo Brasil. “E o impacto no saldo da balança comercial foi de US$ 54 bilhões, o que representa 55% do saldo geral da balança comercial. É um setor importante porque exporta muito e contribui efetivamente para o saldo positivo da balança comercial”, analisa.
Segundo a Abia, 23% do que é produzido pela indústria de alimentos no Brasil é exportado. O restante é voltado para o mercado interno. Mesmo assim, o presidente da entidade, João Dornellas disse que “o Brasil, além de ser o celeiro do mundo, é também o supermercado do mundo”, numa alusão à variedade dos alimentos industrializados exportados.
Cleber Sabonaro, gerente de Economia e Inteligência Competitiva da Abia, enumera os produtos que contribuem para esse resultado. “Essa gama variada vai desde carne processada, laticínios, produtos derivados do açúcar, bebidas, cereais, biscoitos, massas, suco de laranja, café solúvel e óleo de soja.”
Por outro lado, a demanda vem dos mais variados setores, diz Sabonaro, e cita também os alimentos direcionados aos restaurantes para o processamento industrial em outras cadeias produtivas nos países importadores: “Toda uma gama de ingredientes de alto valor agregado como os ingredientes à base de plantas”.
A relação com a produção agropecuária é intrínseca, uma vez que vem do campo a matéria-prima desta indústria. Segundo a Abia, o setor processa 61% de tudo o que é produzido pela agropecuária brasileira. Da agricultura familiar, 67% do valor da produção passa por algum processamento pela indústria de alimentos.
Perspectivas futuras
O bom momento do setor de alimentos industrializados pode ter boas perspectivas futuras, mas é preciso olhar o front interno e externo. E há preocupações dos dois lados. “No front interno, ou seja, dentro do nosso país, o governo vai ter que cada vez mais cumprir o arcabouço fiscal, reduzindo seus gastos,” assinala o professor Diniz da FEA-RP. “O governo tem dado mostras de que quer preservar o poder das camadas mais pobres da população, que gastam parcela mais significativa do orçamento em alimentos, em especial os industrializados, que são mais baratos”, completa. Resta saber, segundo o professor, se a não taxação das camadas mais pobres da população vai ser suficiente para estimular o setor.
Mas há outros problemas à vista. O professor também chama atenção para o fato de que a troca do presidente do Banco Central no final deste ano, com indicação de um substituto que seja mais alinhado com o atual governo, pode fazer com que a instituição tenha uma política mais frouxa e juros mais baixos. “E se isso for alinhado a um governo que não tem tanta disposição de cumprir com o arcabouço fiscal, pode resultar em uma inflação mais elevada e o governo, que tentou preservar o poder de compra das camadas mais pobres ao não taxá-las, vai fazer com que, pela inflação, o poder de compra delas diminua. Consequentemente, o desempenho da produção da indústria de alimentos pode não ser tão bom.”
No cenário externo, o professor Diniz analisa que a vitória de candidatos de direita ou de extrema-direita nas eleições em diversos países favorece políticas protecionistas. “Quando há protecionismo, uma política comercial mais ostensiva, vai fazer com que entrem menos produtos importados nesses países, ou seja, o mercado para nossos produtos industrializados pode diminuir.”
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**Texto de Jornal da USP