De janeiro a outubro do ano passado, foi registrada uma elevação de 57,6% no número de cesarianas feitas no País. A Organização Mundial de Saúde recomenda que somente 15% dos partos sejam não naturais, mas os números estão muito acima do indicado. Marlise de Oliveira Pimentel Lima, docente do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, destaca que “esses dados apontam um aumento na morbimortalidade materna e perinatal e representam uma grave distorção na assistência à saúde, com desperdício de dinheiro público e privado, com intervenções cirúrgicas desnecessárias, em patamares muito acima do aceitável, expondo a mulher e criança há riscos como: infecções, hemorragias, prematuridade, aumentando a mortalidade materna e perinatal.”
A cesárea, quando bem indicada clinicamente, salva vidas, no entanto, é importante que se diga que, sem indicação, aumenta o risco de morte: 86% dos partos no sistema privado de saúde são cesáreas. Por um lado, é cesárea demais para quem não precisa dela e, por outro, falta cesárea, ou opção de cesárea, para quem realmente tem uma indicação.
Cerca de três milhões de partos acontecem anualmente no Brasil, desse total, um milhão 680 mil são cesáreas; 870 mil delas são feitas anualmente sem uma verdadeira indicação cirúrgica. No SUS, o número de cesáreas tem crescido e diversos fatores contribuem para essa realidade, apesar de as taxas serem menores: em geral, 44,2%. Entre os fatores que influenciam a cirurgia estão: profissional que está no plantão, horário deste( se é diurno ou noturno), se ocorre no final de semana ou durante a mesma.
A escolha do tipo de parto depende das condições clínicas e obstétricas da mulher e do feto, além de respeitar a autonomia da gestante, diz Marlise. “A princípio, todo parto deveria ser normal, e a cesárea seria opção nos casos em que há uma indicação clínica relevante reconhecida pelas melhores práticas como estabelecida nas evidências científicas”.
Alto custo
Os gastos em saúde são mais altos nas cesáreas, além dos riscos de morbimortalidade mais altos para a mulher e o feto neonato na cirurgia sem indicação clínica adequada, tornando-se um problema de saúde pública. Mas essa realidade pode ser modificada. Segundo a professora, “o governo pode investir na qualificação técnica dos profissionais para elevar as taxas de parto normal, bem como monitorar as taxas de cesárea dos serviços com indicadores internacionais bem estabelecidos, como a classificação de Robson, por exemplo, e com a inserção e valorização das obstetrizes e enfermeiras obstétricas nos serviços para aumento dos partos normais. É comprovado por vários estudos que a presença dessas profissionais aumenta as taxas de parto normal e melhora a satisfação materna com o parto”.
Diversos fatores podem contribuir para a realização de cesáreas nos serviços públicos e privados. Segundo a professora, “é crucial as atividades de consultório médico em relação aos horários de atendimento para o parto normal. Eles têm dificuldade de trabalhar em equipe multidisciplinar para favorecer o número de taxas de parto normais, então isso acaba aumentando realmente o número de cesárias indicadas ou eletivas, aquelas que já são marcadas muito antes de você ter o início do trabalho de parto entre 37, 38 semanas, quando não deveriam ser. O mínimo que deveria se esperar é até 39 semanas de idade gestacional. Vende-se uma facilidade para as mulheres em relação a essa indústria do parto em que os riscos não são adequadamente apresentados. Então, a mulher acha natural escolher a hora do nascimento, escolher a cesárea para, por exemplo, ser compatível com mapa astral que irá favorecer o filho que vai nascer, marcar cabeleireiro, fotógrafo, live, streaming de nascimento para amigos e familiares, como se isso fosse o fator mais importante a ser considerado nesse momento do parto e nascimento, desqualificando esse momento tão ímpar na vida da mulher.”
**Texto de Jornal da USP