À margem da polarização nacional que se consolidou nas duas últimas eleições presidenciais, 52 dos 5.559 prefeitos que tomarão posse em janeiro levarão para suas gestões a marca do improvável. Eles saíram vitoriosos das urnas ancorados por coligações que incluem tanto o PT do presidente Lula quanto o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O cenário é ainda mais insólito em nove cidades. Em uma delas, um prefeito do PT se sagrou vencedor nas urnas com o apoio do PL. Nas outras oito, candidatos do PL se elegeram com o apoio oficial dos petistas.
“Tenho o meu posicionamento político, mas sou flexível. Não trago o conflito nacional para o meu município”, resume Leo Cunha, 61, prefeito reeleito de Estreito, cidade de 33 mil habitantes do interior do Maranhão.
Ele será único prefeito do Brasil eleito pelo PL que terá uma vice-prefeita filiada ao PT, a Professora Irenilde, 54.
Leo Cunha é empresário, agropecuarista e foi deputado estadual pelo Maranhão de 2011 a 2019. No ano seguinte, disputou a Prefeitura de Estreito pelo PL, que na época ainda não era o partido de Bolsonaro, com o apoio dos petistas.
Nas eleições de 2022, promoveu um arranjo heterodoxo ao apoiar Bolsonaro para presidente, Carlos Brandão (PSB) para governador e Flávio Dino, hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), para o Senado, também pelo PSB.
Quando as eleições deste ano se aproximaram, Leo Cunha procurou o comando estadual do partido e foi autorizado a manter as alianças com os partidos de esquerda.
“O PT sempre fez parte do meu governo e seguimos unidos em 2024. Por isso não houve estranhamento. Aqui, não é partido que faz o voto, o que faz o voto são as pessoas”, afirma o prefeito reeleito.
Não foi um caso isolado no Maranhão: o estado teve um total de 13 candidatos que foram eleitos apoiados por petistas e bolsonaristas, recorde no país. Dentre eles está Thâmara Castro (PT), prefeita eleita com o PL em sua coligação na cidade de Brejo (a 321 km de São Luís).
Os dois partidos também estiveram juntos na campanha vitoriosa de Dr. Julinho (Podemos) para a Prefeitura de São José de Ribamar, terceira maior cidade do Maranhão com 244 mil habitantes.
O estado protagonizou ainda a única chapa que uniu PT e PL em uma capital, capitaneada pelo deputado federal Duarte Júnior (PSB) em São Luís. Mesmo com amplo arco de alianças, ele acabou sendo derrotado ainda no primeiro turno para o prefeito Eduardo Braide (PSD), reeleito na capital maranhense.
Diante do arranjo político, Bolsonaro e seus filhos anunciaram apoio ao deputado estadual Yglésio Moyses (PRTB), que terminou apenas em terceiro lugar.
O principal arquiteto das alianças é o presidente estadual do PL, o deputado federal Josimar Maranhãozinho. Ele é filiado ao partido desde antes da chegada de Bolsonaro e conseguiu ter autonomia para firmar as parcerias que fossem convenientes ao seu projeto político.
Na eleição deste ano, o PL conquistou 40 prefeituras no Maranhão, sendo o partido que mais venceu no estado. O resultado representa quase metade dos prefeitos eleitos pelo partido em todo o Nordeste.
O perfil ideológico dos eleitos, contudo, é pragmático. A maioria não tratou em suas campanhas de pautas de costumes ou outros temas que são prioridade entre os bolsonaristas mais radicais.
Josimar Maranhãozinho afirma que manteve as alianças feitas em 2020 nos municípios com o aval do presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto. No caso de candidatos novos, em cidades em que o partido não governava, a orientação foi de não fazer parcerias com a esquerda.
“Não poderia bagunçar a reeleição de um prefeito vetando alianças nos municípios. Perguntei a Valdemar se a gente poderia manter, e ele liberou”, afirmou Josimar em entrevista à Folha de S.Paulo.
Mesmo aliado a Bolsonaro nacionalmente, Josimar apoiou em 2022 o senador Weverton Rocha (PDT), apoiador de Lula, para o Governo do Maranhão. Diz ter boa relação com Carlos Brandão, mas seu partido não faz parte da base do governador, se mantendo independente.
Fora do Maranhão, candidatos a prefeito do PL foram eleitos em coligações com PT nas cidades de Três Barras do Paraná (PR), Areia Branca (SE) e Itabaiana (SE).
Terceira maior cidade de Sergipe, com 103 mil habitantes, Itabaiana elegeu Valmir de Francisquinho (PL), que entrou na campanha ancorado por uma chapa que uniu partidos conservadores, como o Republicanos, ao PT e PC do B.
Segundo o deputado federal João Daniel, presidente do PT-SE, o apoio a Valmir se deveu à boa relação com o atual prefeito de Itabaiana, Adailton Sousa (PL).
“Foi uma decisão local, respeitada pelos deputados estaduais. Não chegamos a comunicar à direção nacional”, disse ele.
Em 2022, Valmir concorreu ao Governo de Sergipe na condição de favorito, mas a sua candidatura foi barrada pela Justiça Eleitoral. No segundo turno, apoiou o senador petista Rogério Carvalho, que acabou derrotado pelo hoje governador Fábio Mitidieri (PSD).
JOÃO PEDRO PITOMBO, ITALO NOGUEIRA E DANIEL MARIANI / Folhapress