Em quase todas as partidas do Barcelona – no Estádio Camp Nou – pode-se ler essa expressão. Só que de maneira afirmativa: “Catalunha não é Espanha”. O que a motiva, nós pudemos ver pela TV, no último Domingo. Mais um plebiscito exigindo a separação da região do contexto territorial do Estado espanhol.
Em dezenas de aulas que ministrei sobre o fenômeno do Nacionalismo, dentre vários outros, esse exemplo sempre foi recorrente. E era fatal que me lembrasse de dois gigantes do pensamento espanhol: MIGUEL DE UNAMUNO e JOSÉ ORTEGA Y GASSET, sempre ressaltando as suas particularidades e as suas diferenças.
No magistral ensaio “Espanha Invertebrada”, Gasset afirma que não há um osso que una a Espanha. No entanto, é um dos mais antigos Estados Nacionais, desde a Unificação feita pelos reis católicos, Fernando e Isabel, no distante ano de 1.484. O poder de Castela e Aragão foi imposto às demais regiões e aos demais povos da Península Ibérica, excluindo-se Portugal, por certo.
Dizia aos meus alunos: façamos uma viagem mental, a começar por Madrid. Viajemos de ônibus. Uma parada em Toledo no “Valle de los caídos” para que eu possa urinar no túmulo do General Franco. Depois, seguimos. Na Andaluzia, na cidade que nos veste (Sevilha) segundo João Cabral, alguém chame um sevilhano de “espanhol”. A gente corre e segue para a Catalunha. Em Barcelona, algum gajo da nossa turma grita para um catalão o mesmo: Olá, espanhol! Se não nos fritarem em azeite puro será de bom alvitre. Seguimos para o País Basco –o nome já confere uma particularidade estranha- e, ali, fazemos o mesmo. Se escaparmos com vida, chegaremos até a Galícia e repetimos a fala e o gesto. Se não fizerem de nós uma limonada, a gente cumpre uma promessa qualquer em Compostela e agradecemos a Santiago pela vida preservada.
Um dos mitos do Nacionalismo é o de explicar a centralidade do poder a partir da identidade. Descobri, pessoalmente, numa das vezes que lá estive que o contrário é mais verdadeiro. Em La Coruña, na Galícia, onde fiquei por mais de uma semana, falando normalmente em português, entendendo e sendo entendido, que, se assim fosse a Galícia deveria estar unida a Portugal e não à Espanha. Lembremos que a nossa língua é do ramo galaico-português. Ali, eu compreendi Gasset. Não há um osso que una a Espanha invertebrada. O poder madrilenho se impôs, desde o século XV e ainda se impõe. A centralidade sobre a identidade.
Inevitável não recorrer, novamente, à Hannah Arendt quando diz que “a tradição é exatamente isso: o passado que não passa.”
Andaluzes. Catalães. Bascos. Aragoneses. Galegos. Todos são espanhóis. Mas, ao contrário do que querem e sempre quiseram os castelhanos, eles são, antes de tudo, andaluzes, catalães, bascos, aragoneses e galegos.
Encerro com frases lapidares dos gigantes acima citados.
Primeiro, de Miguel de Unamuno:
“Procuremos mais ser pais do nosso futuro que filhos do nosso passado.”
“Os homens têm o costume de gritar para não terem de escutar uns aos outros”
E, agora, de Ortega y Gasset:
“Desconfio do respeito de um homem com seu amigo ou sua bandeira quando não o vejo respeitar o inimigo ou a sua bandeira.”
“Que não sabemos o que nos passa, isso é o que nos passa.”
Pacificando as coisas, humildemente convoco a universalidade baiana de Caetano Veloso:
“Corre a movida madrilhenha, também te mata Barcelona, napolipino people punks, Picassos movem-se por Londres… Bahia, onipresentemente, Rio e Belíssimohorizonte…”.
Cada qual com seus problemas.