“Conhecer a realidade deles é ter compaixão com o próximo, todos são seres humanos e merecem o mínimo de dignidade e respeito”. Foi assim que a estudante Catharina Marques, do curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), escolheu definir a participação no Clube de Leitura em Estabelecimentos Prisionais. A iniciativa, que leva conhecimento literário para indivíduos em situação de cárcere na região de Ribeirão Preto, retoma as atividades após quase três anos suspensa pela pandemia.
É graças a projetos como esse que, atualmente, cerca de 37% da população carcerária de presídios estaduais no Brasil têm acesso a atividades educacionais, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, realizado em 2021. No Clube de Leitura, por exemplo, cerca de 94 reeducandos participaram dos encontros que resultaram em 797 resenhas de obras literárias lidas.
O Clube de Leitura em Estabelecimentos Prisionais é uma parceria dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Unaerp com a Fundação Manoel Pedro Pimentel (Funap). Realizado desde 2019, o projeto atua em cinco unidades prisionais da região de Ribeirão Preto, sendo elas: Penitenciárias Masculina e Feminina de Ribeirão, Centro de Detenção Provisória (CDP) e Penitenciária de Serra Azul e Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis.
“Essa parceria vem se desenvolvendo há um certo tempo, principalmente no ano de 2019. Agora, com a retomada das atividades presenciais, por conta das condições sanitárias, estamos a iniciar essa nova etapa do convênio com a Funap, que é o braço do governo do Estado de São Paulo que busca a formação e o atendimento das pessoas privadas de liberdade”, explica o professor Luiz Eugenio Scarpino, coordenador do Clube de Leitura.
A professora Tania Cosci, responsável pelo desenvolvimento do projeto dentro dos estabelecimentos prisionais, conta que por meio do Clube de Literatura os reeducandos têm acesso a obras que vão desde clássicos como William Shakespeare, Guimarães Rosa e Machado de Assis a autores atuais como Milton Hatoum.
“As sessões de leitura são divididas. Primeiro eles fazem as leituras, cada um com seu próprio livro e depois no dia da oficina nós nos reunimos. No primeiro momento, debatemos os livros, entendemos como se organizam, os reeducandos perguntam sobre algum ponto que não ficou muito claro e discutimos sobre isso. No segundo momento, eles escrevem uma resenha sobre a obra lida e, por fim, se dá a entrega do livro do próximo ciclo”, explica Tania.
De acordo com Scarpino, a seleção dos detentos que podem participar do Clube de Literatura é feita pela própria Funap. O professor conta ainda que são ofertadas 20 vagas por unidade prisional e o critério é que os reeducandos saibam ler. “A ideia é impactar 100 presos a cada obra literária trabalhada”.
A professora Tania diz ainda que, através da participação no projeto, os presos entram num programa de remição de pena. “A cada obra literária lida, eles têm direito a quatro dias a menos dentro do sistema prisional. Então esse, de fato, é um ganho real e mensurável a eles em oposição aos outros ganhos não mensuráveis, como a expansão da consciência, do conhecimento, ganho de vocabulário, uma discussão mais voltada para a lógica e ao mesmo tempo com o cuidado de se estabelecer um contato positivo com esses sujeitos”.
ALÉM DAS GRADES – Além de um benefício para os reeducandos, o Clube de Leitura traz ainda ganhos que vão além do sistema prisional. “É uma experiência de vida, pois pude conhecer uma realidade totalmente diferente da disseminada pelas mídias que, na maioria das vezes, trazem uma visão muito árdua e preconceituosa, a qual descaracteriza o preso como ser humano”, conta a aluna Catharina Marques.
“O aluno que entra ali, toma contato com esse ambiente e conhece o preso no ambiente que ele está, saí totalmente modificado”, conta a professora Tania, “esse estudante primeiro vai conversar e cumprimentar o preso e vai ver que este é uma pessoa como ele. Uma pessoa de carne e osso, que tem uma história, uma família, que tinha sonhos, que tem dúvidas e tem medos. Então, o discente passa não mais a ver as pessoas envolvidas num processo como um nome ou como um número, mas como uma pessoa como ele”.
Para além das bases teóricas, o professor Scarpino, conta que a iniciativa busca trazer para os alunos práticas para o exercício de uma atividade profissional integrada a valores sociais e de cidadania. “O fato de estarmos dentro de um curso superior, privilégio ainda de poucas pessoas dentro do status populacional, nos confere também a responsabilidade de atuar perante a comunidade e impactar positivamente, não só a partir de nossos saberes, mas também de ações que possam ser consideradas como efetivas e reconhecidas pela sociedade”.