10 de abril de 2021. Milena Massafera era encontrada sem sinais vitais por uma amiga próxima e a própria mãe em seu apartamento da Vila Tibério, na zona Oeste de Ribeirão Preto.
No local, marcas de violência no corpo da vítima confirmavam o que o cenário do imóvel já indicava para aquelas que buscavam entender o sumiço de Massafera. Tufos de cabelo no chão, sangue por todos os lados e 28 perfurações no cadáver de Milena, morta aos 34 anos.
Ainda no imóvel, para estudo mais aprofundado da Perícia, foram coletadas amostras de sangue e uma toalha de rosto que estava no banheiro. O celular da vítima não foi localizado pelos peritos durante o trabalho. O aparelho segue em sumiço.
Após o término da Perícia, o corpo foi transferido para o Centro de Medicina Legal (CEMEL), e o caso foi registrado na Central de Polícia Judiciária (CPJ). Milena foi sepultada no cemitério Bom Pastor.
10 de abril de 2024. Nenhum suspeito detido e o esquecimento de mais um crime contra trans no Brasil. Estatística.
À época, o presidente da ONG Arco Íris de Ribeirão Preto, Fábio de Jesus, pediu uma ampla investigação da Polícia Civil nas mortes de Milena e Márcia Marcita, assassinada no dia anterior ao homicídio de Massafera, na zona Norte de Ribeirão Preto.
“As duas travestis foram mortas com grande violência. Marcas pelo corpo inteiro, incluindo os pés, o que indica ação de ódio pensada para assassinar travestis. Como LGBT, eu também temo por minha vida. Isso não pode continuar”, pontuou Jesus.
Ao THMais, o delegado do 3ª Departamento de Homicídios da DEIC, Rodolfo Latif, confirmou a falta da identidade do autor da violência, mas afirmou que o caso segue sendo investigado pelas autoridades competentes.
Em meio a falta de justiça e impunidade, Milena é lembrada com carinho.
“Ela sempre foi educada, foi amorosa, sempre foi amiga. Tem gente que fala isso depois que morre, mas não, ela sempre foi. Qualquer pessoa que você perguntar no mundo gay, travesti e lembrar de Milena, vai te falar isso. Sempre foi uma pessoa maravilhosa, sempre foi uma pessoa boa e foi família”, lembra Ramona Anitta, que conheceu Massafera há mais de 18 anos.
A respeito do serviço sexual, utilizado pelo assassino como justificativa para encontrar a vítima e cometer a violência, Milena atuava na área não por interesse pessoal, mas para poder ajudar financeiramente a família.
“Quando ela começou nessa vida de garota de programa, ela não fez isso pra ela, ela fez isso pra poder ajudar a família dela. E ela ajudava, ela mandava o dinheiro pra mãe, ela ajudava a mãe a pagar conta”, afirmou a amiga Ramona, que é apresentadora da Parada Gay e Miss.
Estima-se que, em 2021, 90% da população trans no Brasil tinha a prostituição como fonte de renda e possibilidade única de subsistência.
De acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil), o alto índice é causado por diversos fatores, como a dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho e a deficiência na qualificação profissional causada pela exclusão social, familiar e escolar.
Foi no ponto de trabalho de Massafera que as amigas se viram pela última vez. O encontro aconteceu um dia antes do assassinato.
O ponto de Massafera estava localizado em frente a um posto de gasolina, todos os frentistas na época sentiam. “As pessoas sentiam, as pessoas eram amigas dela. E um dia antes da morte dela, eu passei lá para dar um beijo e dizer que ela era linda”, lembra.
Assassino flagrado em vídeo
Na madrugada do assassinato, uma câmera de segurança flagrou o momento em que o principal suspeito acessa o residencial, localizado na rua Coronel Luiz da Cunha.
O encontro tinha propósito sexual, sendo agendado pelo próprio indivíduo não identificado até a atualidade.
O homem foi recebido por Milena, na noite de 9 de abril. Na data seguinte ao encontro sexual, o óbito foi constatado. O circuito de segurança também registrou o momento em que o suspeito deixa o local.
Com passos rápidos, o homem utilizava uma vestimenta diferente da qual deu entrada no apartamento. De acordo com a polícia, o assassino ainda teria se banhado antes de deixar o cenário do homicídio.
Entre os registros do circuito de segurança, a consumação do homicídio. A Perícia identificou que o assassino atingiu a vítima com facadas no pescoço, tórax, pernas e costas.
Violência em dados
Ainda conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, publicados pela Agência Brasil, 155 pessoas trans morreram no Brasil em 2023.
De acordo com o levantamento, foram 145 casos de assassinatos. 10 pessoas cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans.
São Paulo foi o estado que mais assassinou pessoas trans, com 19 casos. O número representa aumento de 73% em relação a 2022, ainda conforme o levantamento.
57% dos assassinados correspondem a travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo.
Sobre os métodos de assassinato, dos 122 casos com informações, 46% foram cometidos por armas de fogo; 24% por arma branca; 10% por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 20% de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados.
Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou de alto número de perfurações por objeto cortante.
“Falar de Milena é… só você olhar pro mundo hoje que você vai ver. Esse céu lindo que tá lá fora, ela é Milena”, finaliza Ramona.