A cada pôr do sol, uma nova descoberta. Desde que foi implementada no dia-a-dia da sociedade comum, a Inteligência Artificial surpreende pela sua capacidade de criar em diversos segmentos e impor realidades alternativas para momentos diversos envolvendo celebridades, cantores, e até o Papa Francisco.
Com a ferramenta, é possível criar qualquer tipo de áudio, foto ou filme, além de milhares de conteúdos grafados. A tecnologia, no entanto, pode representar perigo quando o pedido enviado ao algoritmo supera as barreiras da ética e constitucionalidade. Em meio a infinitas possibilidades, a preocupação se torna presente. Em tempos de bipolaridade política, o uso dessa ferramenta no cenário eleitoral pode trazer diversos impactos à democracia global.
O jornalismo do Grupo Thathi conversou com o professor e especialista em mídias digitais, Eduardo Soares, e com cientista político e pesquisador, José Elias Domingos, para entender os cuidados necessários envolvendo o uso da Inteligência Artificial e as consequências da exploração inconsequente desse tipo de tecnologia, que possui ainda baixa cobertura legislativa no país.
Segundo Eduardo, o uso da IA em meios políticos já ocorre a tempos, porém como forma de análise de dados relacionados ao processo eleitoral como um todo. O uso acontecia pela necessidade de algoritmos e coeficientes que poderiam ajudar a ter uma melhor previsibilidade do resultado das urnas, por exemplo, além de outras funções relacionadas a objetivos positivos. A criação de conteúdos falsos, no entanto, surge através do conceito de ‘deepfake’.
“É claro que infelizmente, também a IA pode ser usada para criar áudios, vídeos e imagens falsas, conhecidos como ‘deepfakes’, que podem ser usados para enganar eleitores e prejudicar o processo eleitoral”, lamentou o professor.
Mas afinal, o que é o ‘deepfake’?
Um ‘deepfake’ nasce a partir de algoritmos de aprendizado de máquina que analisam e imitam a voz ou a aparência de uma pessoa. Eles podem ser usados para criar conteúdo enganoso que parece ser real, como um candidato fazendo uma declaração polêmica ou cometendo um ato criminoso, tudo isso com o objetivo de enganar quem recebe este conteúdo pelas redes sociais e acaba por também disseminar esse conteúdo enganoso, mandando para muitos de seus contatos.
Para combater essas ‘deepfakes’, é importante que o poder público se una a empresas de tecnologia e desenvolvam tecnologias de detecção e verificação de conteúdo. Isso pode envolver a criação de bancos de dados de referência para comparar o conteúdo suspeito com o conteúdo autêntico, bem como o desenvolvimento de técnicas de análise de imagem e voz para detectar pistas de manipulação.
É importante também que os eleitores sejam críticos em relação ao conteúdo que consomem nas redes sociais e em outras plataformas online. Vale aquela dica máxima de pesquisar a fonte verdadeira do conteúdo e sua veracidade antes de compartilhá-lo ou tomar uma decisão com base nele.
É importante também que a imprensa faça o seu papel de informação verdadeira e livre e que as pessoas, de modo geral, sejam instruídas a usar melhor as redes sociais e a saber identificar as fake news e agora também as ‘deepfakes’.
Para José Elias Domingos, cientista político e pesquisador, as democracias ocidentais apresentam um descrédito em relação à representatividade. A tendência, de acordo com o especialista, principalmente no cenário da juventude, é cada vez mais não acreditar no modelo tradicional de fazer política para a transformação da sociedade. Para Domingos, tal crise é a maior desde o surgimento das democracias liberais, no séc. XVIII.
Por outro lado, o crescimento das tecnologias de informação e comunicação digital se demonstram como ferramentas de interesse coletivo. Com eles, as pessoas conseguem acessar diversos conteúdos relacionados a política, trazendo engajamento nesta nova arquitetura da política mundial.
“O acesso a esse conteúdo seria, em tese, um instrumento muito interessante para fazer com que as pessoas se incorporassem efetivamente no papel de controle social da política, fiscalizando melhor os políticos, escolhendo melhor os candidatos, mas há, entretanto, um efeito reverso nisso”, afirma o cientista político.
Mundo conectado
A promessa de um mundo conectado para melhorias do eleitor, na verdade, vem trazendo problemas para a democracia. “A liberdade de escolha, por exemplo, parece ameaçada. Você pega inúmeras ferramentas que vão desde programações algorítmicas – quais são os critérios utilizados para que isso seja lançado ao público!? Robôs que são contratados para viralizar informações de propaganda eleitoral em questões ilegais ou fake news, programações nebulosas com intuito de manipular a opinião pública em prol de um candidato. Essas ferramentas estão sendo utilizadas para minar os preceitos de um jogo democrático”, ressalta o cientista político.
No Brasil, quando se analisa as duas últimas eleições, em 2018 e 2022, é possível observar uma clara atuação no sentido de tornar a política muito mais maniqueísta. “Esse maniqueísmo na política, descredibilizando a existência de posições contrárias, foi muito trabalhado dentro dessas ferramentas de rede. As pessoas que estão sendo bombardeadas por essas informações se sente pertencente de uma massa, o que anula a identidade desse indivíduo”, ressaltou Domingos.
Na era da web 4.0, as pessoas passam a produzir conteúdos e informações. Qualquer pessoa em casa pode produzir uma informação, e esse conteúdo, dependendo de como a pessoa está inserida nas redes, ou da polêmica levantada, pode alavancar e ter impacto em posicionamentos ruins, trazendo um ponto de recalque para uma conjuntura política específica.
“A pessoa, no seu apartamento, lê uma informação e compartilha a informação que leu instrumentalizando as suas próprias palavras, hiperbolizando aquele dado e isso atinge uma hecatombe gigantesca”, finalizou José Elias.