No pós-pandemia, as formas tradicionais de emprego são cada vez menos desejadas pelos trabalhadores. De acordo com a pesquisa da consultoria americana McKinsey & Company, a vontade de trocar de emprego tem crescido entre os funcionários, sobretudo entre os jovens. O destaque do levantamento é a incapacidade das empresas e líderes em entender o que leva à insatisfação, optando por soluções temporárias, que não garantem os interesses dos subordinados.
O que os funcionários procuram?
A pesquisa acentua que os empregadores devem se concentrar nos aspectos humanos do trabalho, como a empatia e as relações interpessoais saudáveis. Entre os principais motivos de demissão mencionados, os entrevistados admitiram o sentimento de desvalorização pelas organizações (54%) e pelos superiores (52%); 51% deles também procuravam um sentido de pertencimento no emprego. A professora Graziella Maria Comini, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, aponta que “os resultados do levantamento estão sinalizando aspectos que já ocorriam, mas que foram evidenciados na pandemia”.
Além disso, para ela, os funcionários repensaram seu vínculo com as empresas durante a pandemia: “Eles se perguntaram que tipo de ambiente eles encontram dentro das organizações”. A autonomia e a flexibilidade no trabalho tornaram-se prioridade nas características de um novo emprego, o que resulta na procura por vagas alternativas. Isso porque o ambiente do emprego tradicional é, geralmente, marcado pela carga horária definida, cumprimento de metas em detrimento da saúde do empregado e pressão por resultados.
Insatisfeitos, os trabalhadores geram um crescimento nas demissões voluntárias, a exemplo do fenômeno do quiet quitting. A professora revela que esse fenômeno não passa despercebido pelos líderes: “Não passa imune a gestores de pessoas, eles estão vendo o crescimento do desligamento voluntário, independentemente de se há alternativa”. Segundo a pesquisa, 36% dos entrevistados que pediram demissão nos últimos seis meses não tinham um emprego garantido.
A autovalorização dos funcionários também vem por meio de rejeição em uma relação tóxica com o gestor. Fatores como a comunicação violenta, pouco desenvolvimento e jornadas extensivas afastam o trabalhador de seu líder. “Isso acaba impactando a saúde física, mental. Então, você tem um monte de consequências negativas de um ambiente muito pressionado para resultado e onde você passa então valorizar esses ambientes de mais humanidade”, conclui.
Jovens
Os jovens estão mais propensos a trocar de empregos, diz a pesquisa. A procura por uma organização de referência e que ofereça condições de desenvolvimento é um ponto central na escolha desse nicho. “O grau de tolerância é zero”, afirma.
“Os jovens são mais impulsivos”, constata Graziella. Na opinião dela, a característica é negativa, pois pressiona a organização a implementar mudanças rapidamente e impede o próprio funcionário de demonstrar entrega à sua função. “A gente pode dizer então que há menos apego àquela organização e o fato das pessoas olharem para outras alternativas”, explica. Ela ainda repara uma diferença etária: “Se você for olhar alguns recortes, essa pesquisa mostra que esse fenômeno acontece mais entre os jovens do que entre as pessoas mais velhas”.
Assim, a massa de trabalhadores recém-inserida no mercado de trabalho desloca-se para organizações menores. “Surge o interesse em startups e locais de grande aprendizado, menos hierárquicos e mais horizontais”, comenta ela. Conforme a professora, o maior protagonismo nas decisões e o espaço para opiniões são comportamentos de liderança que devem ser incorporados por grandes corporações para atrair os jovens.
Homens e mulheres
Por outro ângulo, os homens demitem-se mais do que as mulheres. Esse resultado sugere que as mulheres trocam de emprego com mais planejamento e menos impulsividade do que o gênero oposto. “As mulheres têm bastante vínculo com as organizações e com o time, portanto, as mudanças são mais organizadas”, elabora a professora.
No entanto, as diferenças entre os gêneros explicita que a retração da economia, vivenciada durante a pandemia, gera mais receio e insegurança na mudança de emprego para as mulheres. “As pessoas ficam receosas, que é o fenômeno que estamos passando no Brasil hoje. E, sem dúvida, as mulheres tendem a não saírem por explosão.”
A pesquisa também exibe que as diferenças – principalmente as raciais – intensificam a falta de pertencimento na organização. Graziella informa que a amostra é internacional: “Claro que o contexto é um em cada país, isso afeta nessa decisão de desligamento ou não”. Ainda mais, ela toca novamente no âmbito de um local colaborativo e saudável para todos. “A própria pesquisa revela o quanto estão sendo priorizadas relações mais afetivas, um ambiente de maior colaboração, um ambiente mais diverso, porque isso também estimula maior inovação.”
Texto: Jornal da USP