Existem semelhanças em diversos crimes cometidos ao longo da história e isso não é mera coincidência. Como exemplo, há 21 anos ocorreu o primeiro ataque em uma escola brasileira. A partir daí, houve outros 23 casos parecidos, segundo dados do Instituto Sou da Paz. De acordo com a professora Marina Rezende Bazon, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, existem dois conceitos ao se tratar da repetição de crimes: a imitação e o contágio.
“A imitação se refere a um mecanismo de aprendizagem do comportamento humano, que serve para comportamentos diversos, mas que também se aplica ao comportamento criminoso”, explica a professora. Porém, ela enfatiza que a divulgação do crime, a forma como foi cometido, não inspira pessoas que não tenham propensão a esse tipo de ação.
Já o contágio é uma ação que se replica em massa, mas que não é o caso dos ataques às escolas. “Mesmo que tenhamos mais de um acontecimento, não podemos falar de contágio, porque ele não alcançou as características de um fenômeno de massa. Os crimes de contágio têm mais a ver com desordem pública, saquear mercados e lojas, por exemplo. No caso dos crimes nas escolas, falamos de imitação”, complementa.
O Massacre de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, chocou o mundo. Nele, 12 alunos e um professor foram mortos. O ataque também deixou 24 feridos e levou ao maior debate sobre o controle de armas naquele país e ao aumento da segurança nas escolas norte-americanas.
No entanto, esse tipo de tragédia não se restringe apenas ao país da América do Norte. O Brasil também enfrenta situações similares. Ainda de acordo com o levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, até hoje, 24 casos de massacres em escolas deixaram 137 vítimas, sendo 45 fatais.
Os dados evidenciam que as armas de fogo foram agravantes para esses crimes, já que revólveres e pistolas foram usados em 11 dos episódios e causaram três vezes mais mortes do que armas brancas, como facas.
Crimes cibernéticos
Outro fenômeno que talvez esteja ligado à repetição de crimes está na esfera do universo cibernético, em que são comuns grupos insuflarem esse comportamento, conforme explica Marina. “Esse é um crime em si e que busca um certo contágio como estratégia, mas é um fenômeno criminoso por si só.”
A especialista alerta que a estratégia de quem age pela internet é o recrutamento de jovens que acabam se filiando a grupos radicalizados, porque isso, do ponto de vista sociocultural, tem um apelo atual para uma juventude que às vezes precisa de marcos identitários.
Reprodução de notícias
Quando ocorre um crime grave que choca o país, a ação se reproduz diversas vezes nos veículos de imprensa e algumas empresas jornalísticas mudaram a forma de noticiar, por exemplo, os ataques em escolas, não divulgando nomes, imagens dos autores, informações e vídeos dos acusados para evitar o estímulo a outros atentados.
O professor de Psicologia Social Sérgio Kodato, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, reforça o conceito de imitação. “Essa repetição causa aquilo que Platão chamava de ‘efeito mimético’, efeito de imitação. Logicamente que não são todas as pessoas que vão imitar atos violentos que são replicados nos meios de comunicação, mas se pensarmos nas pessoas que são humilhadas e marginalizadas, que sofreram algum tipo de agressão e querem vingança, a repetição acaba por fornecer um método, uma forma”, diz Kodato.
Por outro lado, o professor cita a catarse de Aristóteles, que seria a identificação dos maus atos, com certa sensação de consolo e sem a necessidade de reproduzir. “Assistir à violência, pessoas sofrendo, pessoas sendo violentadas, sendo mortas, pode apresentar certo consolo no sentido de ‘eu estou mal, mas pelo menos tem gente pior do que eu e, nesse processo, pelo menos eu estou vivo’”, exemplifica.
Por fim, Kodato pontua que a divulgação de crimes através dos meios de comunicação é polêmica, porque não pode ser reduzida só à questão da imitação, já que também existe o efeito catártico. “Imagina que toda essa agressividade que está sendo canalizada para os filmes violentos, videogames fosse descarregada diretamente nos parceiros, nos amigos, nas famílias, isso geraria um verdadeiro caos”, finaliza.
**Texto de Jornal da USP