O tema do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem crescido e ganhado destaque no campo da saúde recentemente. No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de crianças são afetadas pelo TEA. Esses números podem ser ainda maiores pela falta de estudos aprofundados e pela dificuldade de diagnóstico em alguns casos.
A professora Helena Brentani, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, comenta a respeito do assunto e de outras questões que envolvem o diagnóstico desse transtorno. Ela ressalta, antes de tudo, que o autismo não tem cura e que não é uma doença. Além disso, não se adquire o TEA ao longo da vida; nasce-se com ele – se há um diagnóstico tardio, é porque não se percebeu antes, e não porque a pessoa “desenvolveu” o transtorno.
Grandes mudanças recentes
O diagnóstico de autismo passou por reformulações consideráveis nos últimos tempos. A primeira é a questão da comorbidade, que é quando há a sobreposição de diagnósticos. Antes, só se podia caracterizar autismo se o paciente fosse diagnosticado única e exclusivamente com autismo, mas hoje o quadro de comorbidade é possível, ou seja, o portador pode receber múltiplos diagnósticos. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou algum tipo de deficiência mental são exemplos de transtornos que hoje são comuns em autistas, mas que antes eram inviáveis por uma questão de diretrizes médicas.
Outra mudança relevante é o limite de idade de diagnóstico, que antes ia até os 3 anos, mas que hoje é completamente abolido. Entende-se atualmente que qualquer um, até mesmo um adulto de 30 anos ou mais, é passível de receber um diagnóstico inédito. “Começou a ficar cada vez mais claro que existem certas demandas sociais que vão ser medidas depois dos 3 anos”, afirma Helena Brentani.
Um exemplo que ela dá é frequentar a escola, que inclusive geralmente começa após os 3 anos. Outras fases da vida, como namoro, trabalho ou círculos sociais, podem também fazer despertar a percepção de que aquela pessoa tem algo de diferente. “Algumas das questões que envolvem o TEA não vão aparecer evidentemente antes, seja porque é uma questão do tempo, seja porque é uma questão do meio social, se está demandando ou não aquilo”, resume a psiquiatra.
Níveis de autismo
Há ainda uma outra novidade nesse campo. Se antes, segundo a professora, costumava-se colocar o autismo em “caixinhas”, hoje fala-se em “espectro”: “É uma dimensão de um problema que aparece em diferentes graus”. A chamada síndrome de Asperger, aquilo que se dizia ser “tipo” um autismo, não existe mais, porque agora ela faz literalmente parte do espectro autista. O mesmo acontece com o chamado transtorno do neurodesenvolvimento, que foi abolido e que agora também é autismo, só que numa gradação bem elevada.
Com a revisão de que o TEA seria um leque que varia desde sintomas mais brandos até os mais aparentes, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) propôs integrar essas síndromes debaixo de um mesmo guarda-chuva. “Realmente, não faz sentido dizer que Asperger é uma coisa e TEA é outra. Não, são exatamente a mesma coisa, mas existem gradações diferentes da presença dos sintomas”, diz Helena.
O Transtorno do Espectro Autista é subdividido genericamente em três níveis, sendo o primeiro aquilo que costumava-se chamar de Asperger e o terceiro o antigo transtorno do neurodesenvolvimento. O nível dois seria um intermediário, em que o portador tem sintomas evidentes, mas ainda consegue trabalhar e sustentar uma conversa.
O que caracteriza o transtorno
A professora explica que, para se diagnosticar o autismo, mesmo ele tendo variações tão vastas, existem pontos de referência. O primeiro é a comunicação social, ou seja, se o indivíduo interage buscando se comunicar com os outros e como ele se porta para se expressar. Portadores de autismo também costumam ter dificuldade com figuras de linguagem, levando as expressões no seu sentido literal.
Outro requisito para se caracterizar autismo é a presença de movimentos estereotipados e repetitivos. “Para ser um TEA, ele tem que ter os dois critérios presentes no exame, na história e no exame físico”, diz a psiquiatra. Essa questão do movimento estereotipado e repetitivo, como ela explica melhor, é hoje mais abrangente e não fica só nessa questão do movimento. Pode ser, por exemplo, dos interesses. “É muito comum você ver pessoas com TEA que têm um hiperfoco em alguma coisa. Em criança é supercomum vermos o interesse excessivo em dinossauro.”
A partir disso, o diagnóstico pode ser traçado e a pessoa pode buscar ajuda especializada. Como o TEA não tem cura, o tratamento não necessariamente envolve medicamento nem tem como objetivo “normalizar” o paciente, mas sim fornecer qualidade de vida, construindo mais recursos para que seus sofrimentos e confusões – no trabalho, em relacionamentos e com amigos, por exemplo – sejam aliviados.
**Texto por Jornal da USP