A histórica intervenção do Estado no ensino, situação que se consolidou na Constituição Federal de 1988, revela inquestionável reconhecimento de que a educação é de valor fundamental para o desenvolvimento do homem, do meio social, bem como para a formação da cultura de um povo.
Existe unanimidade entre doutrinadores da área educacional e de direito público no sentido de que a educação é elemento constitutivo do conceito de cidadania, na medida em que se apresenta indissociável do processo de atribuição de dignidade e igualdade ao ser humano.
Modernamente, com a crença global de que a educação é valor indispensável à humanidade, para a construção dos ideais de paz, de liberdade e de justiça social, emergiu o conceito de educação ao longo da vida, que segundo Jaques Delors, no relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, se desenvolve em torno de quatro princípios fundamentais, que seriam os pilares do conhecimento de cada indivíduo: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser.
Essa concepção, além de portadora de grande conteúdo humanístico, se afina com as exigências do mundo globalizado, eis que a educação se apresenta como pressuposto básico para que o cidadão possa se inserir no processo de competição desenvolvimentista que envolve as nações. Sabe-se que o oferecimento de uma educação sólida é fundamental para o desenvolvimento do Estado e para que as pessoas tenham acesso a postos de trabalho, o que representa importante fator para o exercício da cidadania.
Pela lei brasileira, os serviços educacionais são considerados essenciais, e disso decorre que devem ser contínuos e eficientes, além de respeitar a igualdade no tratamento para como o usuário. Assim, a inexistência do serviço, a descontinuidade, a ineficiência e o tratamento discriminatório (como o que não raramente ocorre com pessoas com deficiência, que encontram dificuldades para inclusão no ensino regular) podem dar ensejo à produção de danos aos usuários, passíveis de reparação, além de responsabilização criminal e administrativa da autoridade competente. É bem verdade que, em mais de 30 anos de carreira no Ministério Público, nunca me deparei com uma ação de responsabilidade civil contra o Executivo fundada na inexistência, descontinuidade, ineficiência ou discriminação de serviços públicos educacionais. Mas, que o direito brasileiro traz ampla possibilidade dessa responsabilização, isso é fato.
Pois bem, todo o panorama até aqui abordado leva à conclusão de que o administrador deve ser extremamente zeloso quando o assunto é educação pública, a ela destinando uma gestão de qualidade. Entretanto, no mundo real, esse zelo acontece em raríssimas e honrosas exceções.
O que ocorre, de fato, é um absoluto descaso para com a educação pública, mesmo diante da obrigatoriedade de aplicação de pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) da receita tributária e de outras verbas que compõem o ativo orçamentário, na manutenção e desenvolvimento do ensino, no caso dos municípios. Isso decorre do texto do art. 212, da Constituição Federal.
É certo que comprovar aos órgãos de controle externo a aplicação de 25% do orçamento anual na educação não é tarefa difícil para os administradores. A experiência tem mostrado que se o percentual está aquém daquele determinado pela Constituição, aquisições desnecessárias de catracas, de grande quantidade de brinquedos e de outras perfumarias, resolvem o fechamento da conta.
O difícil, na verdade, é encontrar administrador comprometido com uma educação de qualidade, que coloque a eficiente prestação de serviços educacionais como absoluta prioridade. A retórica da insuficiência de recursos não pode ser admitida. Observe-se, a propósito, que segundo dados recentes do MEC, das 20 melhores escolas de ensino fundamental do País, 12 estão no interior do Ceará, em regiões muito carentes.
Isso demonstra que educação de qualidade é fruto do comprometimento do administrador, dos gestores, dos diretores de escolas e dos docentes. O projeto de boa educação é aquele que conta com o aval da sociedade civil, principalmente dos conselhos que trabalham em torno da matéria. Deve seduzir os alunos para as salas de aula; deve conquistar os pais; deve investir na capacitação de professores e deve respeitar toda forma de diversidade. As cadeiras dos gestores de educação não podem ser ocupadas por economistas, matemáticos, engenheiros e detentores de outras profissões que, em princípio, nenhuma afinidade possuem com a educação (é possível que profissionais das áreas mencionadas tenham se especializado em educação, porém, isso não é a regra), mas por profissionais que ostentam currículos indicativos de competência, experiência e sensibilidade para formular bons projetos e liderar sua equipe.
Para que essa necessária mudança ocorra, é preciso que tenhamos à frente do poder administradores vocacionados a atender os mais nobres interesses da sociedade, sobretudo dos mais necessitados. Enquanto estiverem no poder pessoas que pensam com a cabeça de políticos retrógrados, centralizadores e desprovidos de compromisso para com a melhoria da qualidade de vida da população, a educação pública de qualidade, nos primeiros ciclos, continuará a ser letra morta na nossa Constituição Federal. Restrita, honrosamente, a rincões do glorioso Estado do Ceará.