Ensaio sobre a cegueira, sem ser Saramago

0

Política é um jornal que não se lê no dia, mas no futuro. O óbvio político é a pequenez da análise. Falo isso porque há uma tendência natural dos analistas políticos e dos jornais em debater o agora, sem notar o perfume do futuro. Foi assim na eleição de Bolsonaro, por exemplo. As pesquisas o mantinham longe da cadeira presidencial, mas a sociedade emitia um aroma que destoava da realidade. Poucos se preocuparam com o depois, quase todos com o já.

Quinta-feira assistimos atônitos ao que se passava no Palácio dos Bandeirantes e aos erros medonhos dos analistas de plantão, que insistiam em afirmar a desistência de João Dória à corrida presidencial. Levaram em conta a possível traição de Rodrigo Garcia e o que seus seguidores faziam contra o governador. Comeram sem testar o veneno de Aécio Neves e sua aposta, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Morreram todos com cara de bundão.

Dória é muito mais raposa do que camundongo. Não se ativeram a isso. Dória tem nas mãos duas armas atômicas, imprescindíveis nas campanhas eleitorais: portifólio de realizações e apoio velado da Faria Lima. As pesquisas, hoje, o colocam na traseira, do mesmo modo que faziam quando candidato à Prefeitura de São Paulo ou mesmo ao governo do Estado. De forma meteórica, ele reverte a situação. Não será diferente, podem acreditar.

O fato de possuir alta rejeição, principalmente em São Paulo, nunca foi fator de obstacularização de candidaturas. Lula tem altíssima rejeição e lidera as pesquisas, ao lado do não mesmo rejeitado Bolsonaro. Brasileiros não votam em ideias, mas em quem lhes garantirá um prato na mesa e jamais a carência. Lula até agora não mostrou como irá resolver o problema da gasolina, dos altos preços dos alimentos, da educação medonha, entre outros problemas. Ele vive do passado, confia as suas cartas num museu mal construído, de alicerce de areia, facilmente derrubado por um adversário sagaz e atento. Bolsonaro não é diferente, teve três anos para resolver os graves entraves nacionais e o que fez foi aumentar ainda mais a catástrofe social.

Dória vai entoar o canto das realizações. Será, sem questionamento, aquele que vacinou e salvou parte dos brasileiros contra a covid. Mostrará que fez um dos melhores governos do Estado de São Paulo, mostrará obras, realizações e escancará soluções, mesmo que absurdas e nem sempre verdadeiras, aos dramas que as pessoas vivem hoje. Dória é um mestre da oratória, convence como poucos. Mas terá palanque para tudo isso? Com apoio da Faria Lima, certamente não faltará dinheiro.

O último alinhamento que falta é a escolha do vice. Quem lê apenas os jornais de hoje, certamente achará que ele não vai encontrar um nome de peso. Os que gostam de prever o futuro, sem bola de cristal, diga-se de passagem, saberá que Sérgio Moro será o nome. E o PSDB? Perguntarão os mais céticos. O PSDB acabou, como diz meu grande amigo, Eduardo Schiavonne, Dória num só dia fez o que Lula levou uma vida para fazer e não conseguiu: destruiu o partido. O partido de Dória é PD, Partido Dória. Doa a quem doer. Quem viver, verá.