Entidades do comércio e da indústria rejeitam proposta para acabar com escala 6×1

Questionado se a proposta de redução preocupa o empresariado e as indústrias, Alckmin disse que "esse é um debate que cabe à sociedade e ao Parlamento" e que ainda não foi discutido pelo governo Lula

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Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Entidades do comércio e da indústria se posicionaram nesta terça-feira (12) contra a proposta da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para alterar a jornada de trabalho e pôr fim à escala 6×1, na qual há apenas um dia de descanso.

Entre os favoráveis estão a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que afirmou que a proposta pode apontar soluções para “problemas históricos gerados pelo capitalismo”. A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) decidiu assinar a proposta de PEC (proposta de emenda à Constituição), mas afirmou que “só proibir a escala de trabalho 6×1 não irá resolver o problema”.

“Precisamos pensar em incentivos para as pequenas empresas contratarem, para o tiro não sair pela culatra e esse projeto aumentar a pejotização”, afirmou a parlamentar.

Nos últimos dias, o tema ganhou tração nas redes sociais, e o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) deve receber Erika Hilton nesta quarta-feira (13) para discutir o assunto.

A PEC propõe alterar o artigo 7º da Carta Magna, no inciso 13, que trata sobre a jornada de trabalho. A sugestão é de jornada de quatro dias semanais, medida adotada em alguns países do mundo e que chegou a ser testada no Brasil por algumas empresas.

Se manifestaram contra nesta terça a CNI (Confederação Nacional da Indústria), CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).

O presidente-executivo da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci Júnior, disse à reportagem que a PEC é uma “ideia estapafúrdia” e poderia elevar o preço de produtos e serviços em 15%.

“Todo mundo quer bar e restaurante disponível a semana inteira, e querem a custo baixo. Aí você vê as pessoas querendo inviabilizar para o consumidor. E já estamos com dificuldades enormes com trabalhadores”, afirmou.

Dentro da própria associação, no entanto, a medida divide opiniões. Para alguns diretores, a falta de mão de obra é uma das justificativas para a mudança na escala de trabalho, com mais folgas aos trabalhadores, e automatização maior dos serviços.

Leonel Paim, presidente interino da AbraselSP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de SP), afirma que, hoje há outras opções de trabalho, com mais liberdade para o profissional, e isso pode estar afastando os trabalhadores da área de bares e restaurantes.

Ele ressalta ainda as diferenças de atividades dependendo da localidade. Estabelecimentos em cidades turísticas já não abrem de segunda a quarta, e têm funcionamento de quinta a domingo.

A CNI disse que substituir uma jornada de trabalho de 44 horas semanais por uma de 36 horas e modificar a escala 6×1 pode trazer efeitos negativos no mercado de trabalho e na capacidade das empresas de competir, afetando principalmente as de micro e pequeno portes.

Para a instituição, a duração das escalas é algo que deve ser tratado entre a empresa e os funcionários, e uma redução obrigatória enfraquece esse processo de diálogo entre as partes.

A CNI afirma que a PEC desconsidera as realidades em que operam os setores da economia, os segmentos dentro da indústria, o tamanho das empresas e as disparidades regionais existentes no país.

Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, disse que a Constituição deixa claro que a negociação coletiva é o ideal para discutir ajustes na jornada de trabalho.

“Isso é fruto de um processo contínuo de ajustes realizados via negociação, tanto coletiva como individual, tendo em vista as possibilidades de cada empresa, setor ou região e a demanda dos trabalhadores. Por isso, a melhor via para estabelecer jornadas de trabalho é a negociação, como é feito em boa parte do mundo”, disse, em nota.

O posicionamento está em linha com o do Ministério do Trabalho e Emprego, que nesta segunda-feira (11) disse em nota que o fim da escala 6×1 deve ser negociada diretamente entre empresas e trabalhadores, por meio de convenções e acordos coletivos.

“O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva”, disse a pasta.

O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço) disse, durante a COP29, que acontece no Azerbaijão, que a proposta é uma “tendência no mundo inteiro”.

Questionado se a proposta de redução preocupa o empresariado e as indústrias, Alckmin disse que “esse é um debate que cabe à sociedade e ao Parlamento” e que ainda não foi discutido pelo governo Lula.

A Constituição, no artigo 7º, inciso 13, limita a jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais, mas permite exceções por negociação coletiva. Já o inciso 26 do mesmo artigo reconhece convenções e acordos coletivos, reforçando a negociação entre trabalhadores e empregadores como meio de ajustar a jornada e outras condições laborais às necessidades de cada setor.

A CNC também se manifestou contra a proposta. Em nota, a entidade disse que valoriza iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores, mas a imposição de uma redução da jornada sem correspondente redução de salários implicará no aumento dos custos das empresas.

“O impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos”, disse a CNC, em nota.

O Brasil é um dos países do G20 com a maior média de horas semanais trabalhadas, segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Com uma média de 39 horas trabalhadas por semana, o Brasil fica atrás apenas de Índia, China, México, África do Sul, Indonésia e Rússia, considerando as nações do grupo. A Índia lidera o ranking com uma média de 46,7 horas de trabalho semanal e com 51% de seus trabalhadores com uma carga de mais de 49 horas de trabalho por semana.

A OIT afirma que a carga horária adequada é uma das partes centrais do trabalho decente e que essa variável traz impactos diretos no bem-estar e nas condições de vida dos trabalhadores.

O indicador, no entanto não reflete a produtividade do trabalho de cada país, isto é, o valor produzido por hora trabalhada, que leva em conta fatores como tecnologia e escolaridade.

Por exemplo, embora trabalhadores de países desenvolvidos como Alemanha, França e Estados Unidos trabalhem menos que no Brasil, o volume produzido é maior, o que abre mais espaço para redução das jornadas.

Esse é um dos argumentos usados pelas entidades contrárias às mudanças na jornada de trabalho propostas pela PEC. Segundo a Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), uma redução da jornada no país pioraria o cenário e deixaria o ambiente de negócios brasileiro menos atrativo.

“A federação entende que essa discussão deve ser feita com base na autonomia privada, exercida na negociação coletiva, onde se criam as contrapartidas e as regras a cada setor ou categoria na implementação de jornadas especiais”, afirmou.

Também é contrária à PEC a Fiemg. Estudo da entidade aponta para perda de produtividade e prejuízos que podem chegar a R$ 8,5 bilhões semanais para as indústrias de Minas Gerais e R$ 38 bilhões em todo o país, por semana.

“A redução da carga de trabalho conforme prevê a proposta em debate também provocaria um aumento de custos para as empresas, uma vez que, para manter a mesma escala de produção e atender à demanda de serviços durante toda a semana, muitas empresas precisarão contratar novos empregados, aumentando os seus custos operacionais”, diz nota.

GUSTAVO GONÇALVES, CRISTIANE GERCINA, GUSTAVO SOARES, JÚLIA GALVÃO E MARIANNA HOLANDA / Folhapress