Érica, simples assim

Por José Fernando Chiavenato

0
Foto: Arquivo pessoal

Ando sóbrio demais para tanta tristeza. À distância, fico sabendo da morte da companheira Érika Amendola. Apesar de anunciada, a morte nunca foi boa companhia. Uma bobagem inumana e sem propósito definido. Perde-se tempo com a morte. Perdemos todos nós, ao perder bons e velhos amigos. Francisco, o jovem garçom que me atende aqui num canto de bar em Santiago, parece saber que o vinho chileno é sempre o melhor companheiro em horas tão desnorteadas como essa. Embora ele não saiba, é este o sagrado momento para se “beber” Érica.

Poucas conheci iguais a ela. Foi certamente o melhor exemplo de profissionalismo humano com quem convivi. Érica era o retrato de um jornalismo moderno, que sabe coincidir ética, postura e opinião, sem cair no espaço comum dos afoitados. Exibia calma e distinção em todos os momentos. Até mesmo nos mais impróprios. Com meiguice e quase no sussurro avançava em projetos, planos e ideias. Mantinha-os em plena efervescência, como se cozinhasse o veneno da maçã e a inversão de Branca de Neve e a feiticeira.

Érica repudiava injustiças. Criticava-as com contumaz educação diante das câmeras e atrás dos microfones. Mas aquele modelo mignon de mulher escondia uma fera no íntimo contato de redações e bastidores. Era impagável vê-la despejar palavrões e ofensas inofensivas aos autores e idealizadores. O puta-que-pariu de Érica, bem soletrado e devidamente endereçado, era uma espécie de marca registrada.

No quesito amizade, Érica foi única. Era capaz de perguntar de amigos desaparecidos, de parentes distantes e também dos mais próximos. Incomodava-a saber de qualquer desconforto social ou profissional de quem quer que seja. Foi o porto-seguro de muita gente. Tinha o dom do acolhimento, a força do convencimento.

Um dia, ainda no estúdio, reclamou aos mais chegados de fortes dores de cólicas. Marcou médico, agendou consulta e se foi. Soube na semana seguinte não se tratar de cólicas. Incrivelmente covarde, não me fiz presente. Mantive-me informado o tempo todo. Amigos me ofereciam informações quase que diárias. Lutou com incrível dignidade. 

Ocasionalmente, reencontramo-nos por duas vezes. Uma delas, ao final do ano, festa da redação e a promessa de que “em breve estarei de volta”. A doença, enfim, venceu o otimismo.