Estiagem e calor devem marcar este inverno brasileiro

Pedro Luiz Côrtes comenta a previsão do clima para este inverno e o que se pode esperar para as diversas regiões do País

Foto: Christian Braga/Greenpeace

Passado o maio mais quente já registrado no planeta, o Brasil entra em seu inverno. A sensação, porém, será de um verão ameno, pois o calor desproporcional para o período deve continuar. Além disso, a seca, que apesar de ser comum para esta estação do ano na região mais abaixo do Equador, por aqui deve ser muito mais intensa. Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, explica que isso é uma junção da desregulação global do clima e dos desmatamentos na Amazônia.

Efeito global

O momento atual é de transição entre o fim do El Niño e o começo do La Niña, que deve começar na metade do ano. Embora esse período possa remeter a uma neutralidade, o professor diz que não: “Nós temos ainda reflexos do El Niño no Sul, com as chuvas ainda que persistem, embora no volume menor, e temos os reflexos já de um La Niña em formação com chuvas na região no extremo Norte”.

O El Niño faz chover muito no Sul e provoca seca no na região Norte. Ano passado, a Amazônia passou por uma seca muito intensa, e o La Niña, que agora chega, faz o contrário: estiagem na região Sul e chuvas mais intensas no Norte. Com essa combinação contraditória de fatores, Côrtes afirma que “o prognóstico indica que durante este inverno haverá uma predominância desse tempo seco e quente na região central do do País”. Já uma certa normalidade poderá ser percebida no litoral do Nordeste, na região Norte e algumas entradas de frente fria em São Paulo, mas contidas.

Se a estiagem pode ser a princípio bem recebida no Sul, em vista dos desastres pelo excesso de chuvas, o especialista exige cautela: “Pode ser uma coisa boa neste momento, mas não ao longo dos próximos, por exemplo, dois anos. Se esse La Niña durar dois ou três anos como o último, isso pode realmente prejudicar a recuperação de determinados cultivos”.

Desmatamento

Segundo Côrtes, nós estamos colhendo os resultados negativos das queimadas amazônicas dos últimos anos – além de, claro, todo um processo histórico de desmatamento. Ele explica, detalhando o processo como as chuvas chegam do Norte ao Centro-Oeste, Sul e Sudeste: “Temos toda a umidade do Oceano Atlântico Equatorial sendo empurrada pelos ventos alísios, de leste para oeste, para o interior da floresta amazônica. Isso precipita sobre a forma de chuva e hidrata o subsolo profundo. As grandes árvores, que têm raízes profundas, recuperam essa umidade, drenam essa água do subsolo e repõem a umidade na atmosfera pela evapotranspiração”.

Esse processo se repete, sendo distribuído por toda a floresta, até que os ventos encontram os Andes, e uma parte significativa deles faz uma curva e distribui essa umidade para o sul do continente. A quantidade de umidade que vem da Amazônia está diminuindo em função do desmatamento, porque ele rompe esse ciclo de reciclagem da umidade dentro da floresta e, consequentemente, a distribuição disso para o resto do País. “Não é de admirar que a parte mais seca da Amazônia neste momento seja exatamente a área mais desmatada”, diz Côrtes.

**Texto de Jornal da USP