A atual pandemia da covid-19 tem desencadeado o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) na população, e os profissionais da saúde são os mais afetados, como evidenciam estudos recentes. A assistente social Cristina Meira, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, é um exemplo.
“Meu psicológico está muito abalado”, conta Cristina sobre seu trabalho na unidade de atendimento à Covid-19, acrescentando que seu sentimento, após um ano de pandemia, é de exaustão. A assistente social diz compartilhar esse mesmo sentimento com todos os profissionais que atuam na linha de frente contra o novo Coronavírus. “Tem dias que nós entramos na unidade e parece um cenário de guerra, em que você vê a equipe extremamente desgastada, entristecida de estar perdendo tantas vidas, tantos pacientes graves chegando. Para nós, é um sentimento de muita tristeza e parece que não tem fim, a cada dia fica pior”, relata.
Essa “tristeza sem fim”, dizem os especialistas, pode estar relacionada ao TEPT. Um estudo da Universidade Flinders, na Austrália, publicado na revista científica Plos One, indica que o contexto da atual pandemia da Covid-19 é capaz de desencadear sintomas de TEPT. Apesar de a pandemia não se encaixar nos modelos predominantes do transtorno ou nos critérios para estabelecer esse diagnóstico (os modelos existentes concentram-se amplamente no estresse traumático como um problema que ocorre em resposta a eventos passados, não futuros), o estudo, feito com 1.040 participantes de cinco países, demonstra que 13,2% das pessoas apresentaram sintomas de estresse traumático como resultado da pandemia, identificada como um estressor global.
Outro estudo, Prevalência de transtorno de estresse pós-traumático após pandemias de doenças infecciosas no século XXI, incluindo covid-19: uma meta-análise e revisão sistemática, publicado na revista Molecular Psychiatry em fevereiro deste ano, revelou que cerca de 18% das pessoas infectadas com o vírus Sars-Cov-2 foram diagnosticadas com TEPT. Os resultados mostram que o transtorno de estresse pós-traumático pode ser um grande problema de saúde mental em contextos de pandemias como esta.
E a preocupação se justifica, já que a pesquisa teve como base 88 estudos com informações de prevalência e fatores de risco do transtorno na pandemia, mostrando que a prevalência de estresse pós-traumático pós-pandêmico em todas as populações foi de 22,6%. Os profissionais de saúde tiveram a maior prevalência, correspondendo a 26,9%.
Os dados analisados sobre o desenvolvimento de TEPT pós-pandemia foram baseados em epidemias ou pandemias relatadas neste século, como Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), H1N1 (gripe suína), poliomielite, ebola, zika, nipah, Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), H5N1 (gripe aviária) e, claro, a Covid-19.
Segundo o estudo, seis meses após uma pandemia, a prevalência do transtorno em profissionais da Saúde foi de 28,6%. No entanto, o número foi ainda maior nos trabalhadores da linha de frente, que apresentaram prevalência de 30,8% quando comparados com os 8,2% dos demais trabalhadores.
TEPT
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), normalmente associado a eventos passados , “ é um conjunto de sintomas que a pessoa apresenta após ter vivenciado uma situação traumática, causando sofrimento psíquico intenso”, explica Gabriela Haleplian, psicóloga do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP.
A situação estressante é revivida diversas vezes pela pessoa com TEPT, acompanhada de “recordações intrusivas”, imagens da situação que aparecem com frequência, pensamentos, sensações somáticas e sonhos recorrentes sobre o ocorrido. O TEPT também pode desencadear, de acordo com a psicóloga, episódios dissociativos, momentos em que as imagens estressantes tomam a rotina e a pessoa passa a agir no piloto automático, sem prestar muita atenção no que está fazendo.
O TEPT, conta Gabriela, tem origem em experiência traumática relacionada a situações de violência e, no contexto da pandemia, traduz o cotidiano dos profissionais de saúde, que lidam diariamente com o sofrimento. “Eu vejo morte de várias pessoas, eu vejo pessoas em um sofrimento muito intenso, eu entro em contato com a possibilidade do meu adoecimento e de levar um adoecimento para minha família”, exemplifica.
Como o diagnóstico de TEPT não é feito de forma rápida – os sintomas podem ser confundidos com aqueles de transtornos de ansiedade -, Gabriela aconselha procurar ajuda quando perceber sintomas relacionados ao transtorno. O tratamento pede acompanhamento psicológico e psiquiátrico, sendo “muito importantes essas duas ações, de dois profissionais que interagem tanto com tratamento farmacológico como com terapias fundamentais”.
Fonte: Jornal da USP