Estudo de SP mostra como o excesso de açúcar no sangue aumenta o risco de trombose; Entenda

As descobertas podem levar a estratégias para prevenir doenças cardiovasculares relacionadas ao diabetes

OMS considera seguro um consumo de açúcar equivalente a 5% ou 10% das calorias diárias. Foto: Marcos Santos/USP

Estudo conduzido no Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) ajuda a entender como o excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia) – uma das manifestações do diabetes – pode provocar trombose. Os achados, divulgados no Journal of Thrombosis and Haemostasis, podem orientar o desenvolvimento de estratégias para prevenir a disfunção cardiovascular em indivíduos diabéticos.

“A principal causa de morte na população brasileira e em vários outros países latino-americanos são eventos isquêmicos, como infarto e acidente vascular cerebral [AVC], em que a trombose arterial é o evento causal precipitante. Essas doenças cardiovasculares podem surgir por uma série de fatores de risco, como hiperglicemia, dislipidemia e hipertensão. Entre esses, a hiperglicemia parece se associar de maneira muito importante com as doenças cardiovasculares”, afirma Renato Simões Gaspar, primeiro autor do artigo.

A investigação foi conduzida com apoio da Fapesp durante o pós-doutorado de Gaspar, sob a supervisão de Francisco Laurindo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e integrante do Redoxoma – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp sediado no Instituto de Química (IQ-USP). Atualmente, Gaspar é docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Como explicam os autores, condições de hiperglicemia prolongada, como a cetoacidose diabética, estão associadas ao aumento do risco de trombose porque provocam disfunção endotelial (alterações no tecido que reveste internamente os vasos sanguíneos), promovendo a adesão de plaquetas e a formação de coágulos sanguíneos (trombos).

Os pesquisadores mostraram que, na hiperglicemia, a proteína dissulfeto isomerase A1 peri/epicelular (pecPDI) endotelial regula a interação entre as plaquetas e o endotélio por meio de proteínas relacionadas à adesão e de alterações na biofísica da membrana endotelial.

“Mostramos uma via da PDI na célula endotelial que é mediadora da trombose no diabetes em condições de hiperglicemia, envolvendo um mecanismo molecular específico, que foi identificado”, comenta Laurindo.

A PDI é uma enzima do retículo endoplasmático que tem a função clássica de catalisar a inserção de pontes dissulfeto em proteínas nascentes, para que elas se enovelem na forma correta, ou seja, para que a cadeia de aminoácidos se dobre e assuma a estrutura tridimensional que torna a molécula funcional. Também é encontrada no meio extracelular, como um pool secretado ou ligado à superfície celular, a pecPDI, em vários tipos de células, incluindo plaquetas e células endoteliais. Estudos vêm demonstrando que a pecPDI regula a trombose em vários modelos.

Modificações bioquímicas e biofísicas

Para investigar a relação das plaquetas com o endotélio na hiperglicemia, os pesquisadores criaram um modelo com células endoteliais da veia umbilical humana cultivadas em diferentes concentrações de glicose. Produziram assim células normoglicêmicas, com níveis normais de glicose, e hiperglicêmicas, com excesso de glicose. A contribuição da proteína dissulfeto isomerase A1 (PDI) foi avaliada usando inibidores de PDI de célula inteira ou de pecPDI.

Inicialmente, as células foram incubadas com plaquetas coletadas de pessoas saudáveis. Nas células hiperglicêmicas, as plaquetas aderiram quase três vezes mais do que nas normoglicêmicas. Como a inibição da PDI anulou esse efeito, os pesquisadores concluíram que o processo é regulado pela pecPDI do endotélio.

Para entender melhor o resultado, eles investigaram processos biofísicos, como o remodelamento do citoesqueleto das células endoteliais, e viram que as células hiperglicêmicas tinham fibras de filamento de actina mais bem estruturadas do que as células não hiperglicêmicas. Os cientistas também mediram a produção de peróxido de hidrogênio (um composto oxidante), porque espécies reativas de oxigênio são mediadoras da reorganização do citoesqueleto e da adesão celular. Neste caso, as células hiperglicêmicas geraram duas vezes mais peróxido de hidrogênio do que as normoglicêmicas.

A etapa seguinte foi investigar se a reorganização do citoesqueleto afetava a rigidez das membranas celulares, porque plaquetas tendem a aderir às superfícies mais rígidas. Com o uso de microscopia de força atômica, comprovaram que as células hiperglicêmicas eram mais rígidas que as normoglicêmicas.

As imagens obtidas por microscopia também mostraram a formação de prolongamentos das células, com vesículas extracelulares que pareciam se separar dos prolongamentos. Essa observação levou os pesquisadores a investigar o conjunto de proteínas secretadas pelas células, o secretoma, para saber se estavam liberando proteínas que pudessem aumentar a adesão plaquetária. “A ideia desse experimento era detectar proteínas que estariam exclusivamente expressas ou presentes em células hiperglicêmicas, e não nos controles ou naquelas tratadas com os inibidores da PDI”, explica Gaspar.

No secretoma, encontraram 947 proteínas, das quais selecionaram oito com papel na adesão celular. Eles então diminuíram a expressão gênica de três dessas proteínas usando a ferramenta de RNA de interferência e chegaram a duas proteínas, a SLC3A2 e a LAMC1, como moduladoras da adesão plaquetária. A SLC3A2 é uma proteína ligada à membrana e a LAMC1 é a subunidade gama da laminina, um componente-chave da matriz extracelular.

A conclusão foi que a exposição à hiperglicemia induziu a secreção de proteínas específicas relacionadas à adesão e que a inibição da PDI e da pecPDI impediu que as células endoteliais secretassem essas proteínas.