Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em colaboração com o Karolinska Institutet (KI), na Suécia, sugere que o acúmulo de zinco nos músculos pode ser um fator-chave para a atrofia muscular em pacientes internados por longos períodos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). A pesquisa, publicada na renomada Free Radical Biology and Medicine, indica que esse acúmulo está diretamente associado à degradação da miosina, a proteína motora responsável pela contração e pelo relaxamento muscular.
O estudo, liderado por Fernando Ribeiro, doutorando do ICB sob supervisão de Anselmo Moriscot, do Departamento de Anatomia, foi realizado durante um estágio no laboratório de Lars Larsson, no KI, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo Ribeiro, a pesquisa, que envolveu experimentos em ratos e análises de pacientes humanos, investigou se havia um desequilíbrio no metabolismo do zinco, medindo sua concentração no plasma sanguíneo e nos músculos esqueléticos, que é o maior reservatório desse mineral no corpo humano. “Identificamos que, além de um aumento no zinco circulante, havia um significativo e anormal acúmulo no tecido musculoesquelético”, explica Ribeiro.
Embora o motivo desse acúmulo ainda não esteja claro, os cientistas levantam algumas hipóteses. Uma possibilidade é que outros tecidos estejam perdendo zinco, o qual segue para a corrente sanguínea e acaba se acumulando nos músculos. Outra hipótese é um distúrbio sistêmico no metabolismo do mineral. “Sabemos que os músculos são a maior reserva de zinco no corpo, o que pode sugerir uma predisposição natural para esse acúmulo”, acrescenta Ribeiro.
O estudo revela que o excesso de zinco pode desencadear uma série de mecanismos prejudiciais aos músculos. O mineral, que contribui para a regulação do crescimento e regeneração muscular, em excesso causa um aumento de expressão de genes responsáveis por codificar proteínas fundamentais para o controle da homeostase (processo de regulação que mantém o organismo em constante equilíbrio) e metabolismo do zinco.
Entre os principais genes identificados estão ZIP11, ZIP14 e ZnT2, que atuam no transporte de íons de zinco; MT1 e MT2A, que protegem as células da toxicidade de certos metais; e as metaloproteinases MMP-8 e MMP-9, ativadas por zinco – uma categoria de proteínas capaz de degradar outras proteínas. A MMP-9, em particular, chamou atenção, pois estudos anteriores já haviam mostrado que ela é capaz de degradar a miosina no coração de pacientes com insuficiência cardíaca. Quando degradada, essa proteína impacta negativamente a força e massa muscular. “É possível que a ativação da MMP-9 também esteja diretamente ligada à degradação da miosina nos músculos esqueléticos, resultando em atrofia muscular, de forma similar à do músculo cardíaco”, explica Ribeiro.
Possíveis tratamentos
A atrofia muscular é uma complicação frequente em pacientes críticos internados em UTI, especialmente aqueles sob ventilação mecânica. Afeta entre 30% e 40% dos pacientes e pode prolongar a recuperação e aumentar os riscos de complicações. “Estudos já mostraram que uma melhor resposta muscular ajuda a acelerar o processo de recuperação; já pacientes com maior perda muscular apresentam maiores riscos de complicações e mortalidade.”
Diante desse cenário, o objetivo do grupo de pesquisa do Karolinska Institutet é explorar terapias que possam regular o metabolismo do zinco. Uma possibilidade é o uso de inibidores que controlem o transporte de zinco para os músculos, bloqueando a atividade de proteínas como ZIP11, ZIP14 e ZnT2, e assim evitando o acúmulo do mineral.
Outra estratégia seria inibir ou “deletar” a MMP-9, seja por meio de medicamentos ou intervenções genéticas, para prevenir a degradação da miosina. “Se conseguirmos bloquear a ação da MMP-9, poderemos testar a hipótese de ela estar diretamente envolvida na degradação de miosina e, consequentemente, com a atrofia muscular e, a partir disso, desenvolver novas terapias para pacientes críticos”, afirma Ribeiro.
O grupo agora se concentra na busca por fármacos já existentes que possam inibir essas proteínas-alvo, com a esperança de que testes futuros, tanto em modelos animais quanto em humanos, possam trazer novas alternativas de tratamento para essa condição debilitante.
**Por Jornal da USP