Eu, a política, os políticos e Augusto dos Anjos

0

Quis a vida que um dia eu me metesse na formação de novos políticos. Especialista em comunicação, principalmente no que chamam de mídia training, lá fui eu projetando campanhas, ajudando candidatos. Confesso que colecionei mais decepções do que vitórias. Muitos daqueles que formei e que ganharam os pleitos fizeram, ao longo da vida pública, coisas que eu jamais endossaria.

Cada vez que isso aconteceu, senti-me  frustrado e usado. Foram fiéis ao que lhes orientei apenas para ganhar e tremendamente infiéis na execução da pós-eleição. Faço parte de um time de otimistas sem causa, uma espécie de seres que acreditam na superação da barbárie humana, na missão messiânica, na entrega altruísta, no projeto de construção de uma sociedade igualitária, democrática, plural e empática. Somos inocentes por vocação e burros por convicção.

O mundo não é assim. Ele é feito para aqueles que não possuem nariz, porque não conseguem sentir o cheiro da podridão e assim, acham toda carniça um banquete. O mundo é feito para os predadores, os chacais e corvos.  Augusto dos Anjos, grande poeta paraibano, escreveu: “o beijo amigo é a véspera do escarro e a mão que afaga é a mesma que apedreja” e conclui o poema avisando: “apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija”.

Como jornalista político, tenho visto coisas que me fazem descrer num país menos desigual.  Quase todos os políticos que entrevisto ou vejo serem entrevistados, postam-se como deuses de si. Nenhum alega que errou, que propôs o que não deveria, que olhou mais para o próprio umbigo, que escorregou num projeto. Nenhum pediu uma desculpa sequer. Ou foram dotados de uma intenção inquestionável ou foram vítimas de uma circunstância que fugiu aos seus domínios.  O demônio são os outros, como dizia Sartre.

Conheci um deputado estadual que, na campanha de reeleição, teve a coragem de dizer que não conseguiu realizar o que havia proposto porque era jovem demais, que era inocente, que foi presunçoso e estúpido em muitos casos, que viu menos o interesse coletivo do que deveria ter visto. Pediu perdão, e uma nova chance. Pode parecer estranho, mas o povo deu a ele outra chance e ele ainda é um dos mais atuantes e dignos deputados que eu tive a oportunidade de conhecer.

Meu sábio pai me dizia: “só erra quem faz”. Viver é assim. Na soma das perdas e ganhos, perdemos mais do que ganhamos. Políticos deveriam aprender a lição da humildade natural ( não aquela comprada, cínica, hipócrita). O bom político  é que aquele que representa pessoas e não a si. Um bom político não quer sua foto pendurada na parede, mas quer o seu nome lembrado com honradez e dignidade. Um bom político erra, assume o erro e faz de novo. O bom político não conjuga o verbo na primeira do singular e sim na primeira do plural, aliás, o bom político é plural.

Comparo o político ao engenheiro. Ele só irá se sentir vitorioso quando a obra terminar. Nenhum político deve se enaltecer do que está fazendo, e sim do que terminou de fazer e entregou.  Político não é parte, é todo. Política não se cria, compõe. Política não exclui, agrega. O bom político não fala só aos seus, retumba, amplia, conduz. Não existe um bom político cujo interesse pode ser medido com a régua plástica. O bom político não é árvore, é semente. Político não é profissão nem ofício, é missão.

Quero encerrar, voltando a Augusto dos Anjos, num poema que ele fez ao pântano e, sem nenhuma sombra de dúvidas, cabe também ao mundo político de hoje: “Em sua estagnação arde uma raça,/Tragicamente, à espera de quem passa/Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta… /E eu sinto a angústia dessa raça ardente/Condenada a esperar perpetuamente/No universo esmagado da água morta!”