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Exploração de projetos antiaborto reforça estratégia eleitoral da direita radical para 2026

O aborto é permitido no país quando há risco à vida da gestante e em caso de estupro e anencefalia, independentemente do tempo de gravidez

Mulheres durante protesto a favor do aborto | Foto: Agência Brasil

A grávida que tenta acessar o aborto legal em Goiás deve receber uma oferta controversa do Estado: escutar o batimento cardíaco do feto. A lei foi sancionada no início do ano passado pelo governador e presidenciável Ronaldo Caiado (União Brasil), no contexto do que se chamou de “Campanha de Conscientização contra o Aborto”.

Legislações semelhantes foram propostas em outros estados e cidades do país, assim como na Câmara dos Deputados, na qual segue em tramitação um projeto para instituir um protocolo intitulado “Ouça o coração. Não aborte”.

A invenção não é brasileira. No estado americano do Kentucky, médicos são obrigados por lei desde 2017 a mostrar o batimento fetal às grávidas antes de seguir com o procedimento. Na Hungria do primeiro-ministro ultradireitista Viktor Orbán, a exigência passou a valer em 2022.

A disseminação de políticas públicas do tipo não é coincidência e revela a importância do tema para a direita e a extrema direita global.

Dois anos após a Suprema Corte dos Estados Unidos decidir que o aborto não é um direito constitucional, abrindo caminho para que os estados vetassem o procedimento, o Brasil voltou a acompanhar iniciativas articuladas no Congresso Nacional para reverter direitos já garantidos.

O aborto é permitido no país quando há risco à vida da gestante e em caso de estupro e anencefalia, independentemente do tempo de gravidez.

Em junho passado, o PL Antiaborto por Estupro, que previa criminalizar a interrupção de gestações acima de 22 semanas em todos os casos, teve requerimento de urgência aprovado no plenário da Câmara. O texto enfrentou forte resistência da sociedade civil e acabou escanteado.

Deputados de direita, porém, não desistiram de pautar o tema e, no fim de novembro, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovou uma emenda à Constituição para incluir na Carta a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção” -o que, na prática, pode impedir o acesso ao aborto mesmo nos casos previstos em lei. A proposta ainda precisa ser votada em plenário e, se aprovada, vai para o Senado.

Fomentar pautas sensíveis como o aborto é uma estratégia desses parlamentares para demarcar espaço no Congresso e mobilizar suas bases eleitorais, diz a cientista política Lilian Sendretti, pesquisadora do Cebrap.

“Isso dá a visibilidade que eles precisam dentro do ecossistema da extrema direita, que hoje é competitivo. É muito difícil ganhar eleição majoritária só com essa pauta, mas não é difícil ganhar o Legislativo com pautas mais extremistas”, afirma.

Ela faz, porém, uma ressalva: tentativas de reverter o direito ao aborto nos casos já garantidos em lei encontram resistência até entre os eleitores desse campo e não devem prosperar. Ainda assim, o tema continuará a ser instrumentalizado para ganhos eleitorais, inclusive em 2026, assim como outros que tangenciam questões de gênero.

“É uma pauta que mobiliza sensibilidades desse eleitorado. Mas a questão do aborto legal para casos de estupro também mobiliza, e é difícil retroceder nesse ponto de uma maneira tão aberta. Acho que uma pauta menos controversa dentro da extrema direita é a dos direitos das mulheres e homens trans, que cria medo nas pessoas.”

A reação negativa ao aborto e aos direitos LGBTQIA+ se conecta às bases ideológicas da direita radical, que historicamente centraliza a proteção das famílias heterossexuais como um de seus pilares e um meio de mobilização do eleitorado.

As experiências fascistas do século 20 já rejeitavam o aborto por enxergá-lo como um obstáculo à manutenção da família -a função reprodutiva das mulheres era tida como central para a estabilidade e o progresso da nação. A defesa da ordem e da autoridade numa concepção fascista também passa pela defesa do patriarcado no seio das famílias e, consequentemente, pelo controle dos corpos femininos.

A Alemanha nazista, por exemplo, baniu o aborto entre mulheres “arianas” e aprovou incentivos legais e condecorações para estimular o casamento e a taxa de natalidade.

Hoje a reação negativa ao procedimento é empacotada de diferentes formas pela direita radical, a depender da realidade local. Na Europa e nos Estados Unidos, ela está associada com frequência ao racismo e à xenofobia.

Um dos pontos de ligação se dá com a teoria conspiracionista chamada de “A Grande Substituição”, que defende haver um plano de elites progressistas para substituir a população branca no Ocidente por imigrantes não brancos. Nesse sentido, a restrição ao aborto entre as mulheres brancas seria uma forma de aumentar a taxa de natalidade e impedir a tomada do país pelos estrangeiros.

A Hungria, país ao qual o ex-presidente Jair Bolsonaro se referiu como “pequeno grande irmão”, é referência para a extrema direita global por incentivar uma ideia conservadora de família associada à rejeição aos imigrantes.

Ali, o governo adotou políticas para estimular as famílias heterossexuais húngaras a terem filhos –mães com menos de 30 anos ou com quatro filhos ou mais não pagam imposto sobre a renda.

No Brasil e em outras nações onde a imigração não é um problema central, a instrumentalização da pauta pela direita ganha contornos morais e religiosos.

As diferenças globais, porém, não impedem que líderes do campo formem laços e se unam na mobilização contra o aborto.

Em 2019, por exemplo, a Cúpula Demográfica de Budapeste, na Hungria, contou com a participação da hoje senadora e então ministra da Mulher do governo Bolsonaro, Damares Alves (Republicanos-DF). O evento, que acontece desde 2015, debate a baixa taxa de natalidade do país, defendendo como solução o incentivo ao modelo heterossexual de família.

Na cúpula, Damares falou sobre o combate à chamada “ideologia de gênero” e ao direito ao aborto e fez um chamado para os países conservadores: “Eu não poderia deixar de aproveitar essa oportunidade para convidar todos os estados aqui representados para juntarem-se a nós na formação de um grupo de países amigos da família, para no âmbito da Organização das Nações Unidas defender e resgatar os valores que alguns setores tendem muitas vezes a ignorar”.

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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