Fazer mais com menos: é possível?

Em tempos de dificuldade financeira, economia e criatividade podem ajudar a sobrevivência. Administradores de apertados orçamentos familiares, que possuem bom senso e responsabilidade, que o digam. No terreno da administração pública não deveria ser diferente, e os personagens da política que se apresentam nas eleições sabem bem isso. Tanto é que em período de campanha eleitoral, no uso da retórica, no sentido persuasivo, costumam bradar frases como “vou fazer mais com menos”.

O homem comum não desacredita na possibilidade de o administrador fazer mais com menos, porque muitas vezes ele mesmo executa o cerne da frase na sua vida pessoal e familiar. De fato, fazer mais com menos na administração pública é um desafio que se impõe, mas quase sempre fica nos discursos de campanha. Isso, porque fazer mais com menos à frente do Poder Executivo implica na quebra de paradigmas que permeiam a política tradicional. Implica, de fato, na execução de boas práticas (outra chamada que os políticos adoram utilizar), na ousadia para inovar e na capacidade de liderança.

As boas práticas a que me refiro estão no contexto da criação de mecanismos que permitam economizar, comprar bem, buscar vias alternativas para a satisfação dos interesses públicos, sobretudo aquelas que transfiram para a iniciativa privada ou para a sociedade civil os ônus pela execução de determinadas necessidades da administração, além de manter rigoroso controle (o que sugere a criação de uma controladoria). A ousadia para inovar deve ser inerente ao administrador moderno, desapegado do modelo conservador, tradicional e deletério de “fazer política”.

De outra parte, sem a capacidade de liderança, as boas práticas e a ousadia ficam absolutamente prejudicadas. Gosto muito da dicção de James Hunter, na excelente obra de sua autoria – “O Monge e o Executivo”, que enuncia: “A capacidade real de liderança não tem nada a ver com a personalidade do líder, as suas posses ou o seu carisma, mas sim com a forma como ele é enquanto pessoa. Eu achava que liderança era estilo, mas agora sei que liderança é essência, ou seja, caráter”.

O indivíduo jamais será reconhecido como líder se não se fizer respeitado (para isso tem que respeitar todos de sua equipe) e se não tiver sensibilidade para ouvir, para dialogar e para dividir, o que demanda uma boa dose de humildade. O ego pronunciado, o ciúme e o estabelecimento de competição com membros da equipe denotam a impossibilidade do exercício da liderança.

A frase “vou fazer mais com menos” nunca deveria sair da boca de um postulante a cargo no Poder Executivo que não possua as habilidades anteriormente referidas, até porque se o administrador é apegado à política tradicional; se não desenvolve boas práticas de controle na administração, e se não tem perfil de líder, jamais conquistará respeito e credibilidade perante os diversos seguimentos da sociedade civil (fator decisivo para formar parcerias e obter ajuda para fazer mais com menos).

Na nossa Ribeirão Preto o “fazer mais com menos” foi mote de campanha nas últimas eleições. Não havia porque não acreditar, eis que não se tratava de uma promessa impossível de ser cumprida. Porém, era pura retórica. Algumas situações pontuais ilustram essa assertiva: em data recente foi motivo de chacota nos veículos de imprensa locais a inauguração de uma placa de rua. Muitos acharam despropositado numa cidade do porte de Ribeirão um ato dessa natureza. A inauguração, em si, não me surpreendeu, porque outras semelhantes já ocorreram (banco de praça, terreno, etc).

O que me chamou a atenção foi o investimento de mais de 4,7 milhões de reais em tais placas. Explico: na filosofia do “mais com menos” a renovação da sinalização de trânsito de Ribeirão poderia ter sido custeada pela iniciativa privada. São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Bauru e Blumenau, dentre muitas outras cidades, vêm experimentando o “mais com menos” em placas de sinalização, lixeiras, eco pontos e zeladoria, mediante parcerias com a iniciativa privada, sem ônus para os cofres públicos.

Essas parcerias podem se concretizar quando precedidas de chamamento público para manifestação de interesse em assumir determinado serviço, com a possibilidade de exploração da marca do patrocinador (vencedor do chamamento). Não se trata de mera doação, que poderia suscitar questionamentos quanto a impessoalidade, mas de um procedimento similar à licitação.

As poucas parcerias que foram firmadas em Ribeirão Preto para revitalização de parques dependeram de provocação da iniciativa privada, porque a imobilidade do Executivo em face dessa boa prática chama a atenção. Aliás, as normas criadas pelo Governo Municipal para possibilitar o auxílio do particular à cidade são desestimulantes. Algo como dizer “o Município pode fazer o favor de permitir que você faça uma doação ou adote uma praça ou um parque”. Aí não há como se sustentar o “fazer mais com menos”. 

O correto seria a provocação ao particular, principalmente com a abertura de chamamentos. Afinal, quem necessita é que deve correr atrás de ajuda. Questão de sabedoria e humildade.

O avesso do fazer mais com menos não fica por ai. Falo de outra situação pontual: gastar 7,9 milhões de reais com propaganda oficial num momento de vacas magras, com a justificativa de que se trata de uma obrigação legal, não parece razoável. O princípio constitucional da transparência não impõe a nenhum governo propagar suas obras em horário nobre de televisão. De se anotar que a cidade possui um diário oficial que contem os atos da gestão e está disponível a qualquer pessoa no sítio da Prefeitura na internet. A verba poderia ser mais bem utilizada.

Então, fazer mais com menos é possível sim, mas para isso é imprescindível que as chamadas “boas práticas” saiam dos discursos e dos temas de seminários, avançando para os atos de gestão.

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