O Brasil vive neste domingo o início de um novo ciclo político, quando configurar a posse do novo presidente e dos 27 governadores dos estados brasileiros. Festas preparadas, acepipes encomendados, discursos em profusão, honras militares, bandinhas e shows pirotécnicos, tudo em grande estilo para comemorar, talvez, o mais do mesmo.
Há pouco o que esperar, muito a ser cobrado. A contabilidade das contas supera as promessas e lança desafios, que nem mesmo São Jorge, montado em seu cavalo na lua, consegue vencer esse dragão chamado, realidade.
E tome promessas. O povo é sempre o mais citado e, certamente, a maior vítima. O fim do túnel ganhou holofotes. Vem aí a locomotiva das realizações, a máquina da bem-aventurança, o desenvolvimento em forma de turbilhão. Amanhã acordaremos com os combustíveis mais caros, as contas para pagar sem o saldo bancário suficiente, as filas, os atendimentos médicos adiados por falta de insumos, a creche sem vaga, a mesa sem carne, o ônibus lotado e velho, as ruas esburacadas, enfim, a velha paisagem em branco e preto, porque é assim, sempre foi e muito provavelmente, será.
Os governos que foram deixaram a assinatura da incompetência. Os que se mantiveram, assemelham-se a bêbados em calçadas curtas.
Discute-se ideologias, como se o povo brasileiro fosse fruto da carteira escolar, quando, na verdade é a mais completa tradução do termo distopia. Um país de analfabetos técnicos ou funcionais, que despreza a própria história, subjuga a ciência, não consegue entender a leitura mais simples de um texto, não sabe fazer conta, odeia planejamento, acolhe bandeiras anacrônicas, aposta em populistas da mais sórdida qualidade, bate continência para pneus, aceita chantagem de falsos profetas religiosos, confia na política do “rouba, mas faz”, entende como prosperidade a ascensão do individualismo, despreza o mercado, acredita que o papa é pop. O resultado é tudo aquilo a que estamos assistindo. A ópera bufa, o violino desafinado, o ator gago, a plateia sonolenta, a pintura do vaso como obra prima, a flor de plástico e a festa. Tudo em forma de festa, afinal pode faltar razão, menos a cerveja.
Um ex-presidente foge, literalmente, do país e isso é tomado como “parte de um plano”. O que entra traduz o que há de mais retrógrado na composição de poderes, sem contar com uma ficha policial corrida, e já inocentada pela justiça que condenou, de arrepiar o cabelinho do dedão, como dizia minha avó.
E assim navegamos nesse mar de lama. Assim vamos sonhar com o futuro, a estúpida assertiva do Brasil como país do futuro. Há quem justifique os nossos “tombos” pela juventude de nossa democracia. Nada é mais burro e desprezível. Somos assim porque não aprendemos ainda e pelo que vejo, demoraremos a aprender, que temos uma elite egocêntrica, malvada, machista, homofóbica, falsa e autoritária. O que vimos depois da eleição de Lula foi o retrato indiscutível da premissa do poder a qualquer preço, desde que a serviço de uma minoria mandante e poderosa.
Como incentivar o contraditório se não temos estrutura de argumentos? Agimos como torcedores e não como pensadores. A expressão: “ tudo pelo social” é a hipocrisia em seus momentos de maior representatividade.
No discurso desse domingo, feito pelo governador eleito por São Paulo, Tarcísio de Freitas, apesar do agradecimento a Bolsonaro pela “ousadia” de indicar o carioca para governar São Paulo, havia a mensagem de que agora, ele, Tarcísio, seria o comandante da política de direita no Brasil. Não era apenas a posse do novo governador, mas do novo líder. Rei morto (ou fugido), rei posto.
Erich Fromm, psicanalista e filósofo alemão, tem uma frase lapidar: “a ânsia do poder não é originada da força, mas da fraqueza”. Que isso sirva de lição a quem se mete a ser político nesse país tão desigual.
Vamos comemorar o ano novo, porque daqui a 365 dias, ele será velho e alguém vai dizer que tudo vai mudar. Você vai acreditar e beber cerveja, afinal, ninguém é de ferro. Saúde.