Segundo o Censo Escolar 2023, realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 47,3 milhões de estudantes estavam distribuídos em 178,5 mil escolas brasileiras.
Em um cenário de discussões sobre o uso de tecnologias em sala de aula, a gamificação surge como aliada para engajar os alunos no processo de aprendizagem. Essa estratégia introduz elementos dos jogos, como atividades colaborativas, quizzes interativos, pontos de experiência, troca de papéis e competições controladas, aos ambientes de ensino.
Benefícios da gamificação
Para Seiji Isotani, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) e especialista em Computação e Tecnologias Educacionais, a abordagem tem grande capacidade de transformar a realidade da educação, que passa por uma crise de motivações. “Eles [os educandos] não entendem porque estão aprendendo um determinado conceito e, sem motivação e engajamento, a oportunidade e a vontade de querer entender diminui muito. Quando a gente pensa em um ambiente que seja mais instigante, entra o conceito de elementos de jogos, porque a ideia de gamificação é fazer esse uso em outros contextos”, explica.
Na criação dessas ferramentas, o professor relata que é preciso entender como cada recurso se encaixa com as preferências e aptidões de cada pessoa. O processo, desenvolvido pelo grupo de pesquisa de Isotani, é denominado taxonomia da gamificação em ambientes educacionais e consiste em mapear o funcionamento dos usuários e as principais plataformas e dinâmicas com que eles interagem. “Com isso, a gente consegue classificar os elementos de jogos nessas diferentes facetas de aplicabilidade, permitindo que a gente identifique quais são os melhores tipos para diferentes pessoas. E aí conseguimos criar ambientes mais engajantes para quem está aprendendo”. É possível usar rankings e um sistema de pontos para os mais competitivos, elementos de narrativa para aqueles com interesse estético e visual e atividades colaborativas para quem é mais social, por exemplo.
Marciel Consani, doutor em Ciência da Comunicação e atual coordenador da licenciatura em Educomunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), avalia que é necessário que o estudante se veja como componente do seu processo de aprendizagem. “Você tem, nos últimos anos, principalmente com o advento da internet, a disseminação de várias práticas, que são classificadas como metodologias ativas. Nela, o aluno é participante e protagonista da própria educação, do próprio percurso pedagógico”.
O educomunicador entende que escolas e ambientes que incentivam esse comportamento nos educandos atraem mais e os motivam a permanecer estudando. “A comunicação não pensa o jogo só como uma ferramenta, como um instrumento para deixar o estudante feliz e fazer as tarefas. É uma alternativa que muda a essência da relação pedagógica na sala de aula, que horizontaliza o ambiente. O professor deixa de ser o ensinante, ele passa a ser o mediador do processo. E os estudantes também deixam de ser figuras passivas, passam a ser protagonistas”. Além disso, o professor destaca a construção de laços sociais por meio de ações didáticas e outros projetos, como jogos colaborativos, por exemplo.
Desafios para a realidade brasileira
Marciel Consani chama atenção para a estrutura tradicional das escolas públicas, que chegaram a educar cerca de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio entre 2019 e 2020, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na opinião dele, o sistema atual é autoritário e caótico: “Um dia falta água, falta luz, falta internet e um dia falta o professor”.
Para o educomunicador, é necessário um conjunto de políticas públicas efetivas na educação e que transforme a “hierarquia de ensinar um discípulo” em ato de aprender e trocar conhecimentos. “O jogo vem como uma ruptura, por ser interativo. Ele dialoga com as novas gerações, que já têm a ideia de jogar como uma coisa divertida e agradável. Muda a associação da educação a processos autoritários e aborrecidos para uma possibilidade de aprendizagem lúdica”, complementa.
Seiji Isotani explica o conceito de Inteligência Artificial na Educação Desplugada, desenvolvido por seu grupo de pesquisa: “A proposta é que a gente consiga criar tecnologias que são tão simples que, em poucas horas ou com apenas alguma atividade introdutória, os professores já consigam usar esse tipo de tecnologia”. Para isso, os docentes passam por um curso inicial para empoderá-los na ferramenta, mas também podem aprender o recurso de forma autodidata.
O projeto consiste em um aplicativo de inteligência artificial para dispositivos móveis, que permite a digitalização, correção e diagnóstico pedagógico de textos manuscritos em português. As redações são escritas em folhas com códigos QR e marcações, que são carregadas em um servidor a partir de fotos, e, por sua vez, faz a segmentação das palavras. “A precisão atual desse processo está entre 92% a 95%. Usamos essa tecnologia desde 2020 e, até o momento, mais de 1,5 milhão de textos de mais de 500.000 alunos do ensino fundamental e médio de 7.000 escolas diferentes do Brasil foram avaliados”. Graças ao projeto, o Ministério da Educação e o Banco Mundial aprovaram um decreto que cria a Política Brasileira de Recuperação da Aprendizagem na Educação Básica, que promove o desenvolvimento de tecnologias baseadas na Inteligência Artificial na Educação Desplugada. “Uma outra iniciativa que a gente está trabalhando é com a USP, a Universidade Federal do Alagoas e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e a Inteligência Artificial na Educação Desplugada. Esse é um problema que afeta todo o Sul Global e pode tornar o Brasil o centro dessas inovações científicas e tecnológicas. O lançamento será em Alagoas, no dia 14 de abril”, comenta Isotani.
**Por Jornal da USP