No mundo civilizado uma importante missão dos governantes é a de promover o equilíbrio e a pacificação social. Essa tarefa não se resume ao combate à criminalidade, cuja importância é fundamental. Envolve, também, a promoção da harmonia entre as diversas camadas da sociedade. Muitos obstáculos se colocam à frente dessa busca da pacificação: convicções ideológicas, religião, xenofobia, racismo, homofobia e outras, mas o enfrentamento a esses obstáculos deve estar entre as prioridades do governante.
No mundo ocidental que ousamos chamar de “moderno”, ao menos no aspecto humanístico, governantes redescobriram uma velha fórmula de se colocar em evidência: a prática do populismo. A mesma fórmula que já fora utilizada por figuras como Benito Mussolini (1922-1943), na Itália e Adolf Hitler (1932-1945), na Alemanha voltou à moda. Os governos atuais nos Estados Unidos, na Polônia, na Hungria, na Itália e a vitória do Brexit no Reino Unido, bem ilustram o panorama populista numa das maiores potências do mundo – os EUA e em importantes países da Europa. A velha pauta da xenofobia, do racismo e dos costumes frequenta os discursos dos neopopulistas.
No Brasil, o populismo apenas mudou as justificativas. Para Lula e o PT o discurso se focava no “nós e eles” – os injustiçados e a burguesia insensível. Sob a batuta de Bolsonaro continua o “nós e eles”, só que dessa vez o “nós” se resume aos cultuadores dos bons costumes, religiosos fanáticos e monopolistas da honestidade e o “eles” são os depravados, os defensores da igualdade de gênero, os esquerdistas, os ambientalistas (que são sempre de esquerda) e aqueles que acreditam que houve ditadura no País.
Esse populismo de direita, que parece ter dado certo, ao menos por enquanto, vem arregimentando seguidores em estados da região mais desenvolvida (em termos de economia) do País. É o caso de Dória, em São Paulo e da dupla Witzel/Crivela, no Rio.
Para ilustrar essa assertiva, breves exemplos: Bolsonaro exalta a ditadura, condena a igualdade de gêneros, não acredita na importância da preservação do meio ambiente, defende a censura na cultura e nas artes e prega o armamento da população para combater a criminalidade. Nem falemos de sua prole incentivadora: o vereador do Rio que não reconhece o regime democrático como ambiente favorável para aprovar as medidas de salvação do País, o deputado, aspirante ao cargo de embaixador nos EUA, que já falou do fechamento do STF e agora posa com uma arma na cintura em visita ao pai, no hospital e o senador perseguido pela justiça esquerdista, que lhe cobra explicações sobre sua ascensão patrimonial.
No Rio, Witzel quer autorização do STF para punir o porte de arma de fogo com fuzilamento sumário e vibra publicamente, como numa final de copa do mundo, com o abatimento de um sequestrador (aqui, estou a falar do comportamento do governador e não do mérito da atuação da polícia). Crivela, o prefeito, manda recolher da bienal do livro material com supostas insinuações homossexuais. Isso, o mesmo Crivela moralista que ofereceu aos fiéis de sua igreja a possibilidade de furar a fila para o atendimento no sistema público de saúde do estado. Nunca ouviu falar do princípio da impessoalidade.
Em São Paulo, Dória não destoa da cartilha de costumes dos colegas anteriormente citados, e determina o recolhimento de cartilhas que abordam orientação sexual, na rede estadual de ensino.
Por tudo o que aqui foi exposto, parece inevitável a conclusão de que a pacificação social está longe de ser considerada como prioridade pelos governantes que cultivam o populismo. Antes, lhes interessa eleitoralmente a polarização, a intolerância e o confronto, com os quais nos deparamos nas ruas, nas redes sociais e até mesmo no âmbito familiar. A harmonia pode ser uma ameaça aos seus interesses políticos, porque soa como comprometimento ao seu “curral ideológico”, o que vale tanto para o populismo de esquerda como para o populismo de direita.
Maquiavel dizia: “como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão”, e arrematava: “toda a ação é designada em termos do fim que procura atingir”. Não posso afirmar que os populistas conheceram a obra de Maquiavel a ponto de se inspirar em suas lições sobre assunção e preservação do poder. Aliás, posso apostar que muitos deles jamais leram um livro. Que não folhearam algo sobre Aristóteles, nascido no ano 384 a.C, é praticamente certo. O filósofo grego pregava a política como busca do bem comum, e, portanto, a harmonia nas relações sociais. Preconizava o agir virtuoso e dizia que o homem nunca pode ser utilizado como meio para se atingir um fim. O ser humano sempre deve ser o fim.
Para os homens dotados de algum equilíbrio e de pelo menos um pouco de bom senso resta dar tempo ao tempo, ou mergulhar no niilismo (desesperança, ceticismo ou pessimismo), da filosofia de Nietzsche.