Após ficar enfurecido, nas palavras de um auxiliar, com a sequência de abusos cometidos pela Polícia Militar, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pediu mudanças na condução da segurança pública paulista e alterou seu próprio tom ao falar do assunto, mas sem rever a postura linha-dura nem se afastar das pautas bolsonaristas associadas ao tema.
O desgaste com casos de brutalidade da PM municiou a oposição ao governador na Assembleia Legislativa de São Paulo e, nos bastidores, alguns secretários admitem que o clima dentro do governo é de tensão outros afirmam que não há crise.
Há preocupação, porém, em não se descolar do tradicional discurso de aliados de Jair Bolsonaro (PL) em defesa de ações duras da polícia e de dar respaldo à corporação.
Auxiliares de Tarcísio dizem que o cargo do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, nunca esteve em risco e que o problema se encerrará caso haja punição exemplar e não ocorram novos excessos. As mudanças pedidas pelo governador não incluem a troca de nomes.
Tarcísio e Derrite estiveram reunidos na tarde desta quarta-feira (4) no escritório que o governo paulista mantém em Brasília. Lá, o governador determinou que o secretário promova mudanças efetivas na PM para evitar novos incidentes.
No Palácio dos Bandeirantes, o entendimento é de que Tarcísio deu uma mensagem clara sobre a mudança de tom pelo fato de que tanto ele quanto Derrite e o comandante-geral da PM, Cássio Araújo de Freitas, terem ido às redes sociais para condenar os PMs envolvidos nos excessos.
Um interlocutor de Bolsonaro, porém, disse avaliar que o desgaste ainda pode escalar, que o ex-presidente não considera o bolsonarista Derrite como uma indicação sua e que não intercederá por sua permanência.
A mensagem, contudo, não foi entendida desta forma por parte da base do governador na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) nem por alguns dos secretários estaduais ouvidos pela reportagem.
Na parte da manhã, em Brasília, Tarcísio se recusou a responder sobre a série de casos recentes de violência da PM, mas, ao ser questionado se substituiria Derrite, disse que não. “Olha os números, você vai ver que [ele] está fazendo um bom trabalho.”
O secretário deseja ser candidato ao Senado em 2026 e é tratado assim por Tarcísio em conversas particulares. Demitir Derrite, afirmam aliados, o “queimaria” e prejudicaria este plano.
No entendimento de aliados, a mensagem publicada por Tarcísio nas redes foi rápida e não desagradou a base bolsonarista no caso em que um policial militar jogou um rapaz de uma ponte na região de Cidade Ademar, na zona sul da capital paulista.
Nas redes sociais, tanto Tarcísio quanto Derrite foram duros com os militares envolvidos, prometendo punições, mas reforçando a defesa da corporação. O governador afirmou que o policial responsável pelo abuso “não está à altura de usar” a farda da instituição, que “preza pelo seu profissionalismo”.
O tom é diferente do adotado em março desde ano, quando o governador minimizou denúncias por violência policial na Operação Verão, que deixou oficialmente 56 mortos na Baixada Santista. “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não tô nem aí”, disse na ocasião.
A manifestação também se contrapõe à postura anterior do governador, que vinha mantendo silêncio em crises de segurança e envolvendo Bolsonaro.
No Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio não escondeu sua irritação com a sucessão de desgastes e cobrou providências dos auxiliares diretos.
A defesa do governo na Alesp ficou a cargo da base bolsonarista de Tarcísio, enquanto outros aliados preferiram se distanciar da crise. Mesmo nesse grupo, que inclui ex-PMs, há consenso sobre a necessidade de adotar medidas para conter a tropa. A expectativa desses deputados é que o comando da PM reorganize as bases dos batalhões para evitar novos excessos.
“Converso bastante com o Derrite. Ele sempre foi um policial muito dedicado. Este é o momento de os comandantes se aproximarem dos policiais, orientando e educando a tropa. Através da instrução e do estudo é possível reduzir danos colaterais”, afirmou o deputado estadual Major Mecca (PL).
Já deputados próximos do governador mas não alinhados ao bolsonarismo reconhecem que o momento é crítico, embora considerem haver espaço para manter a posição linha-dura.
“A postura do governador é muito clara. A segurança pública não pode ser como era antes, precisa ser muito dura, mas dura no caminho correto”, declarou Barros Munhoz (PSDB).
Membros da base de Tarcísio afirmam que exonerar Derrite não é do perfil do governador, mas que ele deverá fazer um cálculo político dos efeitos negativos da blindagem.
Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, deputados de oposição se mobilizaram na Alesp. Carlos Giannazi (PSOL) submeteu à Comissão de Segurança Pública uma convocação de Derrite e Guilherme Cortez (PSOL) entrou com uma representação no Ministério Público pedindo o afastamento do secretário.
Giannazi afirma que apesar da pressão pela saída do secretário, duvida que algo possa acontecer já que “Derrite é o homem forte de Tarcísio”. “Com Derrite, ele consegue acenar para extrema direita.”
O deputado diz acreditar que, para responder à crise na segurança pública, o governador deve “fazer jogo duplo”. “Ele pretende se candidatar em 2026 e, para isso, precisa desse eleitorado de extrema direita, mas ao mesmo tempo tem que dar uma piscadela para o centro”, afirma.
BRUNO RIBEIRO, VICTÓRIA CÓCOLO, ANA LUIZA ALBUQUERQUE E CAROLINA LINHARES / Folhapress