Humor na política pode afetar seriedade da gestão pública, diz professor da USP

Vídeos humorísticos na comunicação política devem ser usados da maneira correta para não comprometer interesses coletivos

Humor em vídeos de prefeitos cresce nas redes sociais | Foto: Anton/Pexels

Cada vez mais prefeitos de cidades brasileiras têm utilizado vídeos e conteúdos humorísticos para divulgar, pelas redes sociais, os trabalhos realizados nas administrações públicas. Essa estratégia de comunicação política ajuda a ganhar likes, mas pode ser arriscada caso o gestor de uma cidade não a utilize da maneira e na dosagem certas. A estratégia já começa a ser criticada por alguns especialistas.

Um exemplo de prefeito que se vale das redes sociais para divulgar suas realizações é Rodrigo Manga, prefeito de Sorocaba, interior paulista. Ele grava vídeos engraçados para o Instagram e o TikTok, com o lema “vamos fazer dessa cidade a melhor do Brasil para se viver”. Manga afirma que escolheu um jeito diferente de comunicar para que as pessoas interajam e façam parte das decisões da gestão pública. “Se eu falo de um jeito descontraído, irreverente, é porque eu quero prender a atenção das pessoas, quero que elas vejam, acompanhem, entendam e participem. Não adianta só fazer, tem que mostrar o que está sendo feito, prestar contas à população, de um jeito que todo mundo receba essas informações”, explica.

Já o prefeito Marcel Vieira Rodrigues da Cunha, conhecido como Xexéu, do município de Prata, localizado na região do Triângulo Mineiro, interior de Minas Gerais, também adotou a tendência. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, ele usa humor para evitar o descarte irregular de lixo em um terreno, com a frase “aqui só joga lixo quem é corno assumido”. Xexéu aponta que a intenção nunca foi ofender ninguém e que os resultados foram bem positivos. “No caso específico do vídeo mencionado, a intenção foi chamar a atenção para um problema recorrente de maneira bem-humorada, utilizando uma linguagem popular e próxima da comunidade. Desde a publicação do vídeo, observamos uma redução significativa no descarte irregular de lixo em locais inadequados”, diz o prefeito.

Esses são apenas dois exemplos dos inúmeros que acontecem nas redes sociais. Segundo o professor Luiz Alberto de Farias, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, misturar humor com política pode dar certo, mas é uma ação perigosa que pode desvirtuar a própria seriedade de uma gestão.

“Temos visto alguns políticos, especialmente prefeitos do interior do estado de São Paulo, utilizando tiradas, situações cômicas, buscando bom humor para comunicar as suas obras. Isso pode ser simpático e bem recebido pela população, mas tem que ser cuidadoso para não se tornar o tom da ação, da administração ou da gestão.” Segundo ele, o prefeito pode deixar de ser uma representação do poder público e passar a ser uma caricatura, o que acaba não sendo positivo para a gestão, para a institucionalidade e nem para a própria personalidade.

O professor diz que o tom humorístico usado por políticos durante as campanhas “pode contaminar a percepção ética sobre si próprio”. Farias afirma que é importante que os vídeos não passem a impressão de descuido com os interesses públicos, principalmente quando se tratam de situações críticas, de crise e até mesmo em temas como saúde, educação e segurança pública.

“O bom humor e a comédia não podem ser levados como o fundo de uma gestão, podem ser apenas uma pequena estratégia. Eu não recomendaria para políticos adotarem essa postura porque eles podem perder a visão de gestores e assumirem a visão de humoristas”, diz o especialista.

Ele critica que temas sensíveis devem ser tratados com respeito para que não virem uma grande brincadeira, não influenciem o bem-estar geral da população e a percepção em relação a quem está cuidando dos interesses coletivos. “Vivemos em um momento que a segurança pública é bastante problemática, temos um nível de violência crescente, ainda existe muito déficit na educação e sabemos que a saúde não atende a todos”, aponta.

Farias acrescenta que outros tipos de estratégias podem ser adotadas, como a criação de mascotes e uso de narrativas mais criativas, “mas é sempre bom lembrar que a função principal de um político é representar o interesse público. Vivemos em um momento em que há mais preocupação com as plataformas digitais e redes sociais do que necessariamente com a realidade da população”.

Ele ainda diz que muitos políticos se distanciam do dia a dia das pessoas e que a única preocupação é conseguir curtidas nas redes sociais. “Quando esquecemos do coletivo e pensamos somente nos interesses individuais, isso efetivamente é uma quebra básica, elementar e fundamental da missão de qualquer político.”

**Por Jornal da USP 

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