Dias atrás, recém-chegado à redação do Grupo Thathi, aproveitei um intervalo de tempo na atualização das notícias do portal para uma conversa despretensiosa com o professor Sérgio Degrande. Ele aguardava o horário para assumir o microfone e comandar seu programa e, gentil que é, dignou-se a dedicar parte de seu tempo à nossa conversa. O que, por sinal, agradeço.
Relatava o professor a diferença do jornalismo atual do daquele praticado há algumas décadas. E foi enfático: o jornalismo começou a morrer quando impediram que se bebesse nas redações, e a pá de cal foi quando impediram o fumo.
Fiquei embasbacado. O professor expressava, de forma muito mais elegante do que a que descrevi nestas maltraçadas, minha própria visão sobre o tema. Hoje em dia, tudo no jornalismo é limpo. Sem paixão. Uma coisa quase asséptica. Chata. Burocrática. “Sem tesão”, resumiu o professor.
Quando iniciei minha carreira no jornalismo, nos idos de 2005, peguei um mundo já modificado. Mas tive a chance de conviver com gente que viveu o auge do jornalismo. Recordo o genial Guto Silveira contando as histórias de quando fechava o jornal Verdade, do finado Wilson Toni, sem camisa na madrugada, acompanhado do diagramador Fernando Braga. Tomar uma gelada na redação, mais que uma opção, era obrigação: não havia ar condicionado no prédio.
Recordo os momentos em que os jornalistas políticos (ou melhor, que cobriam política, não os que tentavam se eleger) terminavam a noite no Bar do Zé, ali pertinho da seccional de polícia, não sem antes passar pelo Brasília. E tinha ainda aquele bar, apelidado de um nome que hoje faria corar os puritanos, aquele que fica em frente ao Plantão Policial da Duque de Caxias, onde prostitutas e jornalistas terminavam, felizes, a noite e iniciavam o dia. Algumas vezes indo direto para suas pautas.
Não vivi, mas ouvi centenas de histórias onde a imprensa de Ribeirão, geralmente um tanto quanto embriagada, fazia jornalismo de verdade. E bom jornalismo, diga-se. Da linha de Cony, Otto Lara, Nelson Rodrigues, Ruy Castro. Quantas pautas maravilhosas nasceram e morreram nessas reuniões de pautas feitas na noite e nos botecos.
Relembro minha última conversa com o imenso Nicola Tornatore. Em um bar na Vila Tibério, claro. Ocorrida alguns meses antes de seu passamento. Estava eu iniciando o trabalho na Record TV. “Gordo, você tem que voltar para o jornalismo. Voltar para o impresso. Não estou dando conta de bater nesses vagabundos sozinho”, me disse ele, no meio de uma deliciosa Antarctica. E, então, dividimos informações sobre os absurdos cometidos por vereadores da Câmara de Ribeirão, trocamos documentos, combinamos matérias em parceria – ele no jornal Tribuna, eu na TV Record. Infelizmente, só tivemos tempo de fazer uma.
Fechando a digressão proporcionada pelo professor Degrande, arrisco: a cerveja é indissociável do bom jornalismo, diria eu. E confesso, ao trabalhar no Jornal A Cidade – antes e depois de os novos controladores assumirem – quantas vezes deixei, apressado, a redação da São Sebastião para, sedento, tomar aquele bom e velho chopp do Pinguim. Em pé, posto que era mais barato. Só não o fiz mais vezes, também admito, embora corando, por absoluta falta de cascalho.
Engraçado que me lembro de João Garcia, também finado editor-chefe do A Cidade com o qual tive uma relação de amor e ódio, mas também de muito respeito. Tínhamos divergências profundas sobre o que é jornalismo. Mas, certa vez, cheguei para o trabalho despretensiosamente segurando uma latinha de cerveja. Dei de cara com ele nos corredores.
“O que você está bebendo?”, perguntou.
“Uma cerveja”, disse eu.
“Não pode aqui dentro”, disse Garcia, já rindo. “Vai fazer sua pauta”.
“Bom saber”, disse eu, terminando de matar a loira e jogando a lata no lixo. “E chopp, no intervalo, pode?”, eu disse, com aquela ironia moderada que deixa a gente com o riso entre os dentes, no canto da boca.
Não esperei a resposta. Fui fazer a pauta. Também sem dizer palavra, João saiu, rindo. Anos depois, soube que ele comentou o caso com outros colegas. “Parece jornalista da década de 1970. É maluco”, disse ele, sobre a situação, sempre entre gargalhadas e pitando o seu tradicional cigarro. Considero, até hoje, um elogio. Saudades de João Garcia, um chefe que, independente de suas posições e visões, não trabalhava contra sua própria equipe.
Recordo com carinho também os fechamentos do Comércio da Franca. Editor de política que fui, tinha a missão de fazer as manchetes e ajudar com a capa. Quantas vezes fui chamado pelo então dono do jornal, Corrêa Neves Junior, para bebericar um delicioso whisky 18 anos antes de terminar a edição da capa e discutir a manchete do dia seguinte. Muitas vezes, fumávamos juntos um delicioso charuto. Até uma geladeira de cerveja havia no prédio – a gente segurava a onda, claro, mas, nos dias enrolados, tomar pelo menos uma era de lei.
Saudosista que sou, caro professor Degrande, penso que adoraria ter vivido nesses tempos em que o senhor viveu, ao invés de acompanhado seus suspiros finais. Época em que o jornalismo, mesmo ébrio, pulsava. E onde as chefias não julgavam o que você bebia, e sim o que produzia. Que falta faz esse velho mundo.