Vivenciamos um desastre histórico. Reduz-se a uma perda de tempo nacional o que deveria ser, de modo bem diverso, os debates fecundos em torno dos projetos de educação no Brasil. No lugar de ações construtivas, temos que reagir, a todo instante, a reiteradas ameaças à democracia.
Tudo isso por conta do populismo de extrema direita do atual governo federal, com doses cavalares de fascismo. A última proposta foi trocar Paulo Freire por José de Anchieta como patrono da educação brasileira. Não podemos aceitar essa má fé, esse golpe ideológico, essa absurda distorção de valores.
Quem nos esclarece a inadequação desta proposta são os próprios jesuítas, os mestres “da nunca assaz louvada Companhia de Jesus”, tal como os definia Ângelo de Siqueira, em 1754. Este belíssimo manifesto rejeita de imediato o oportunismo da proposta fascista. Todos devemos ler:
Recebemos com preocupação a notícia de que existe um projeto de lei que propõe São José de Anchieta como patrono da Educação brasileira, para substituir Paulo Freire neste patronato. O Padre José de Anchieta, merece, de fato, todo louvor e reconhecimento pelo imenso bem que fez pelo nosso Brasil, principalmente, no que se refere ao tema da educação. Anchieta, fiel ao carisma jesuítico, sabia que não era possível construir uma nação sem uma atenção especial pela educação. O primeiro professor do Brasil tinha certeza que o futuro de uma Nação dependia da qualidade do ensino de crianças e jovens. O Brasil, mais do que nunca, precisa prestar bem atenção no que o seu primeiro professor ainda tem a lhe ensinar.
No entanto, na atual conjuntura governamental do nosso País, não podemos aceitar que o legado de São José de Anchieta seja instrumentalizado para fins meramente ideológicos. Reconhecemos a imensa importância do legado de Paulo Freire para o Brasil e para o mundo. Tanto São José de Anchieta como Paulo Freire caminham na mesma direção. Ambos optaram por estar a serviço da educação dos marginalizados. Anchieta, com linguagem e métodos próprios de seu tempo, também foi um “pedagogo do oprimido” quando optou por estar ao lado dos indígenas, educá-los, defendê-los e protegê-los da ambição dos poderosos.
Anchieta não pode ser proclamado patrono da educação em um momento em que a educação não parece ser prioridade na agenda do País. O primeiro defensor do meio ambiente não pode ser admirado em um momento em que nossas riquezas naturais estão ameaçadas. O primeiro indigenista não pode ser reverenciado neste tempo em que vemos tribos étnicas desamparadas e sendo perseguidas e até expulsas de suas terras. O primeiro defensor dos direitos humanos não pode ser levado aos altares da Pátria quando os indefesos são marginalizados e seus direitos, negados. São José de Anchieta não pode ser usado com fins ideológicos. Pedimos respeito ao seu valiosíssimo legado, que deve sim ser imitado, mas jamais manipulado. Que nossa Senhora Aparecida e São José de Anchieta, Padroeiros do Brasil, intercedam pela nossa nação! Anchieta, 25 de maio de 2019 / Pe. Nilson Marostica, SJ / Pe. Bruno Franguelli, SJ.
Sem tirar nem por uma única linha ou palavra desse documento esclarecedor, vamos aproveitar a oportunidade para repensar, mesmo que sucintamente, tanto a contribuição dos jesuítas no Brasil, como também aspectos da recepção da obra de Paulo Freire. Este conjunto de relações histórico-filosóficas, bem como teórico-práticas, estão claras como a luz do dia? Ou talvez haja mais confusão que compreensão?
Assim, mesmo correta em sua crítica contrária ao fascismo, e não poderia ser diferente, a esquerda no Brasil deve aproveitar a oportunidade para exercer uma autocrítica. Devemos estudar os jesuítas e também Paulo Freire, em ambos os casos com fundamentos histórico-filosóficos.
Os jesuítas são geralmente reduzidos a agentes do poder colonial, como se fossem meros catequizadores de índios. Ignora-se a internacionalização que havia nos colégios jesuítas, nas principais vilas e cidades brasileiras, com seus mestres oriundos das mais diversas nacionalidades, bem como seus ensinamentos nas artes, na filosofia e nas ciências, garantindo gerações de grandes intelectuais brasileiros. A pedagogia jesuítica sempre compreendeu a beleza da ciência e a verdade da arte em sua unidade indissociável com a crítica filosófica. O alto nível ético-estético-epistemológico dos colégios jesuítas no Brasil era o mesmo dos principais centros europeus, para se ter uma ideia do perfil avançado de ensino que praticavam. “Decência e boniteza de mãos dadas”, tal como professava Paulo Freire, foi, desde sempre, o preceito acadêmico dos jesuítas.
Já escrevemos isso várias vezes, em vários artigos, e voltamos a repetir: a expulsão dos jesuítas pelo Marques de Pombal (o mais influente político dos tempos de José I), em 1759, foi uma das mais tristes tragédias da História do Brasil. Claro que a escravidão foi tragédia ainda maior, mas nenhuma outra arbitrariedade política prejudicou tanto o Brasil como a expulsão dos jesuítas. Boa parte de nosso subdesenvolvimento e pobreza, ainda hoje, deve-se a essa medida drástica deste déspota português, neste caso nada esclarecido.
Perdemos abruptamente e de uma vez por todas o melhor sistema de ensino do mundo. E o que tivemos em seu lugar? Praticamente nada! Os poucos professores de Aulas Régias, na então nova proposta pombalina de ensino, jamais estiveram à altura do sistema jesuítico suprimido. A decadência do Brasil, econômica e intelectual, nas gerações seguintes, não se justifica apenas pelo fim do ciclo do ouro, mas, acima de tudo, pela falta de bons professores e de um bom sistema de ensino. Há que se respeitar os jesuítas ainda mais hoje: o maior estadista em nosso mundo contemporâneo, o papa Francisco, também é jesuíta.
Só para citar alguns nomes que fizeram história entre jesuítas e alunos de jesuítas no período colonial, temos o próprio José de Anchieta (maior nome da literatura brasileira do século XVI); Fernão Cardim (autor dos pioneiros Tratados da Terra e da Gente do Brasil, do início do século XVII); Antônio Vieira (maior nome da literatura luso-brasileira do século XVII); Gregório de Matos Guerra (aluno dos jesuítas na Bahia no século XVII, nosso maior poeta eclético, ao mesmo tempo satírico, lírico e religioso, entre outros gêneros), os irmãos santistas Alexandre (diplomata de João V) e Bartolomeu (inventor e cientista) de Gusmão (intelectuais luso-brasileiros na primeira metade do século XVIII); André João Antonil (reitor do Colégio da Bahia, autor do principal estudo socioeconômico sobre o Brasil do início do ciclo do ouro); Caetano Melo de Jesus (aluno dos jesuítas na Bahia, mestre-de-capela de sua Sé, principal teórico da música luso-brasileiro na primeira metade do século XVIII, autor de um tratado que respaldaria o Cravo bem temperado de Bach e o maior músico “Caetano” que a Bahia jamais teve); Ângelo de Siqueira (aluno dos jesuítas em São Paulo, mestre-de-capela da matriz paulistana e depois missionário apostólico, cujos livros exerceram influência em seu tempo, em especial por conta da poesia devocional popular não litúrgica); Antônio José da Silva (aluno dos jesuítas no Rio de Janeiro, principal libretista luso-brasileiro da primeira metade do século XVIII); Tomás Antonio Gonzaga (aluno dos jesuítas na Bahia, poeta árcade); Santa Rita Durão (aluno dos jesuítas no Rio de Janeiro, autor de Caramuru, poema épico do século XVIII); Basílio da Gama (aluno dos jesuítas no Rio de Janeiro e ainda depois atrelado à defesa dos jesuítas em Portugal, autor de O Uraguai, poema épico do século XVIII); Inácio José de Alvarenga Peixoto (aluno dos jesuítas no Rio de Janeiro, estudioso de Virgílio, tendo proposto a expressão libertas quæ sera tamen na Conjuração Mineira e poeta árcade); Domingos Caldas Barbosa (aluno dos jesuítas no Rio de Janeiro, principal libretista luso-brasileiro da segunda metade do século XVIII, autor da Viola de Lereno, com modinhas e lunduns, e, por isso, primeiro autor de música popular brasileira da história, inaugurando aqui o gênero da canção popular não religiosa), entre tantos outros.
Especificamente sobre José de Anchieta, primeiro autor teatral na América portuguesa, ele encenava suas peças com grande sucesso pedagógico, tendo sido figura primordial das letras no Brasil. Seus poemas se adaptavam a canções cantadas de modo popular em sua época.
Segundo Paulo Roberto Pereira, sua obra literária é “herdeira das últimas formas medievais e antecipadora das primeiras expressões barrocas, mas repassada pelo humanismo renascentista”. Escrevendo em quatro idiomas, português, castelhano, latim e tupi antigo, José de Anchieta foi o primeiro estudioso a conferir status literário à língua brasílica. Sua gramática do tupi foi referência para todas as demais posteriores a ela, incluindo a do nheengatu moderno.
Segundo Luis Palacin Gómez, “morando em São Paulo, José de Anchieta demonstrou sua habilidade no trabalho artesanal, fazendo alpargatas, servindo de cirurgião para os índios e principalmente dirigindo uma grande obra de engenharia, a construção do primeiro caminho entre São Paulo e Santos, na descida da serra, que durante séculos foi chamado Caminho do padre José”. Ou seja, a atual Via Anchieta (SP-150) não é uma mera homenagem póstuma ao santo jesuíta, mas um desdobramento da estrada original concebida pelo próprio Anchieta (hoje chamado Caminho do mar, a SP-148). O que seria o centro de São Paulo sem a Igreja (mesmo que reconstruída, porque a original não existe mais) e o Pátio do Colégio dos jesuítas? Anchieta foi um de seus fundadores, sempre é bom lembrar.
Mas a proposta de uma educação internacional de Anchieta, notável santo carismático, bem como dos demais jesuítas do período colonial, como já dito acima, interrompeu-se em 1759. Esse sistema colonial representa uma tradição perdida. Mesmo com a excelência dos colégios e universidades jesuítas hoje em atividade no Brasil, trata-se já de uma outra realidade, de um outro tempo. Como dizia a poetisa Cecília Meirelles, “uma tradição interrompida não se volta atrás”. Não faz sentido tentar recuperar o patronato de ensino hoje com a representação de um antigo jesuíta. Melhor mesmo mantermos Paulo Freire que é a figura protagonista da educação no Brasil, independente de algumas leituras precárias que fazem de sua obra.
Uma das teses centrais na obra de Paulo Freire é a Pedagogia do Oprimido. É importante, no processo educacional, a viabilidade de uma condição dialógica, de um diálogo fecundo, quando se ouve, de fato, a própria voz do oprimido, pois as massas populares são oprimidas para a conquista do opressor, “pela propaganda bem organizada, cujos veículos são sempre os chamados meios de comunicação com as massas (não criticamos os meios em si mesmos, mas o uso que se lhes dá), como se o depósito deste conteúdo alienante nelas fosse realmente comunicação”.
Completando sua análise, Paulo Freire propõe o conceito de invasão cultural. Está claro para nós, hoje, que essa invasão cultural corresponde, sem perda epistemológica, à indústria da cultura, definida pela Escola de Frankfurt. Ou seja, toda indústria da cultura é sempre invasão cultural. Para o pensador pernambucano, por conta da conquista do opressor, a condição dialógica se reduz a uma imposição “antidialógica”, em que o diálogo se torna impossível, para além da mera questão cultural, aniquilando-se as artes, as ciências e a filosofia: “Finalmente, surpreendemos, na teoria da ação antidialógica, uma outra característica fundamental, a invasão cultural que serve à conquista. Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a inventividade, ao inibirem sua expansão. Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la. Por isto é que, na invasão cultural, como de resto em todas as modalidades da ação antidialógica, os invasores são os autores e os atores do processo, seu sujeito; os invadidos, seus objetos. Os invasores modelam; os invadidos são modelados. Os invasores optam; os invadidos seguem sua opção. Pelo menos é esta a expectativa daqueles. A invasão cultural tem uma dupla face. De um lado, é já dominação; de outro, é tática de dominação”.
A Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire é obra monumental de dimensão internacional, alinhando-se a toda uma teoria crítica que se opõe ao obscurantismo opressor. Segundo Ernst Bloch, “intelectual é aquele que se recusa a assumir compromissos com os dominadores” e que “faz parte do pensamento, da ação e dos escritos de um intelectual a postura crítica contrária à sociedade repressiva”.
Paulo Freire se encontra confluente e num mesmo desdobramento crítico-epistemológico de pensadores do século XX em sua luta contra a sociedade repressiva, ao lado de Rosa Luxemburg, Gramsci, Lukács, Walter Benjamin, Adorno e toda a Escola de Frankfurt, Hannah Arendt, Barthes, Jameson e mesmo artistas e pensadores como Picasso, Eisenstein, Brecht, Camus, Umberto Eco e Heiner Müller, entre outros.
No Brasil, encontramos esta confluente teoria crítica em pensadores como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Leandro Konder, e mesmo em artistas como Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Portinari, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemayer, Eunice Katunda, Claudio Santoro, Gilberto Mendes e Olivier Toni, entre tantos outros.
E mesmo o grande Mário de Andrade já antecipava a pedagogia do oprimido: “É preciso lembrar que as massas dominadas, entre nós, são… dominadas. O que quer dizer que elas não têm suficiente consciência de si mesmas, nem forças de reação para conscientizarem o seu gosto estético e as suas preferências artísticas”.
Embora Mário de Andrade já tivesse levantado o problema, foram Adorno e Horkheimer que cunharam a expressão inspirados num influente mestre de Adorno em seus tempos de juventude, Siegfried Kracauer, reconhecendo que as massas são enganadas e iludidas pela indústria da cultura. Trata-se de um sistema ideológico que surgiu no século XX com as novas tecnologias de comunicação de massa, impondo produtos audiovisuais e best-sellers fabricados em série e padronizados de acordo com o perfil e classes de consumidores passivos e desprovidos de espírito crítico, garantindo a sobrevivência cultural hegemônica do capitalismo no mundo globalizado. Tal como uma igreja que diferencia fiéis de hereges, a indústria da cultura impõe mecanismos brutais de adequação e padronização. Os hereges excluídos mal sobrevivem em seus contextos sociais.
Tomemos o cuidado, contudo, tal como sugeriu Paulo Freire, de não generalizar a priori o cinema, o rádio, a televisão, a internet e nem mesmo a indústria fonográfica enquanto veículos demonizados. Os veículos em si podem ser utilizados das mais diversas formas. Nossa crítica contrária à indústria da cultura se deve pontualmente ao modo hegemônico como este sistema ideológico opera estes veículos.
Se nos tempos de seu surgimento, no início do século XX, a indústria da cultura ainda se atrelava à arte, ocorreu desde então um processo gradativo e constante de afastamento, tanto que passado já quase um século a indústria da cultura impõe de modo soberano seus próprios sistemas e já prescinde quase que totalmente da arte. Há sempre cada vez menos elementos artísticos na indústria da cultura.
E Paulo Freire toca ainda em dois pontos fundamentais para elucidar a questão da invasão cultural (indústria da cultura): “os invasores atuam; os invadidos têm a ilusão de que atuam, na atuação dos invasores” e “é importante, na invasão cultural, que os invadidos vejam a sua realidade com a ótica dos invasores e não com a sua. Quanto mais mimetizados fiquem os invadidos, melhor para a estabilidade dos invasores”.
Importante diferenciarmos arte de cultura. Arte não é bem cultural. Mais uma vez lembrando o cineasta Godard, “a cultura é a regra e a arte é a exceção. A regra quer sempre a morte da exceção”. É por isso que Paulo Freire, com acuidade, não fala de invasão artística, mas cultural. Ele não reclama de que os pobres da periferia leiam um Dante, um Shakespeare ou um Machado de Assis, ou ouçam um Bach ou um Villa-Lobos. Mas ele se queixa da pseudocomunicação de massa que produz copiosamente uma espécie de milícia de alienados.
Para Paulo Freire, o oprimido se ilude em sua atividade, supondo se expressar por voz própria, quando, na verdade, apenas reproduz clichês da indústria da cultura. Essa invasão cultural velada não permite que haja poíesis, isto é, que haja invenção, que haja projeto próprio de elaboração de obra, mas instaura passivamente uma mímesis estéril, uma imitação não inventiva e acrítica, que meramente reproduz o padrão do opressor, consolidando sua conquista. Assim, a atuação dos gêneros da indústria da cultura é sempre antidialógica em relação aos seus invadidos, tal como consta do manuscrito abaixo de Paulo Freire, com a verticalidade unilateral (de cima para baixo), sem mão dupla, representada em sua teoria da ação opressora (à direita):
Contudo, esta teoria nem sempre é bem compreendida, gerando resultados desastrosos, em especial na esquerda. Vamos dar um exemplo didático de como Paulo Freire vem sendo aplicado a partir de metodologias inadequadas. Vamos às etapas (passo a passo) de um típico pesquisador descuidado, que ocorrem reiteradamente em trabalhos acadêmicos, não raramente com repercussão em projetos ditos político-culturais:
1) pesquisador lê apressadamente a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire;
2) identifica um jovem enquanto oprimido;
3) observa o jovem imitando uma sonoridade mediática (rock, funk, pop, techno, hip-hop, rap, disco, rave e world music, entre outros, ou, no Brasil, axé, pagode, sertanejo universitário, padres ou pastores cantores, cantores gospel, apresentadoras-cantoras de programas televisivos infantis etc.);
4) conclui que aquela é a voz própria do oprimido;
5) conclui que para estabelecer a condição dialógica de Paulo Freire, deve valorizar aquela expressão.
Tais erros metodológicos, por conta da má leitura da obra de Paulo Freire, devem ser rediscutidos, porque se prejudica sua recepção, não só na academia como nos movimentos sociais:
1) ignora-se a questão maior das linguagens artísticas. Para os culturalistas ou relativistas nihilistas (os tais pesquisadores descuidados), não existe arte nem filosofia. Para os adeptos deste relativismo cultural truculento, os gêneros da indústria da cultura são confundidos com diversidade cultural;
2) confunde-se indústria da cultura com arte. Confunde-se indústria da cultura com filosofia e confunde-se indústria da cultura com arte popular. Em outros setores, confunde-se autoajuda com filosofia, confunde-se indústria da cultura com mitologia etc. A visão de mundo do culturalista se reduz à indústria da cultura;
3) confunde-se poíesis (invenção da obra de arte, sua liberdade, o trabalho crítico com os materiais artísticos, singularidade, exposição de mundo), com mímesis (reprodução de clichês e padrões pré-estabelecidos da indústria da cultura). Entende-se por voz própria do oprimido o que, de fato, não passa de uma imitação pobre de linguagem;
4) confunde-se a alfabetização por meio do vocabulário cotidiano (do entorno do educando) com assimilação acrítica de padrões redutivos oriundos da invasão cultural;
5) a distorção ideológica vem sendo ignorada pelo pesquisador culturalista, incapaz que é de reconhecer a invasão cultural, tal como nos ensinou Paulo Freire a identificá-la;
6) nesta compreensão precária de Paulo Freire, o que era para ser uma educação para a liberdade, porque a escritura é libertadora numa constante descoberta-de-mundos, reduz-se a mais um projeto de dominação.
Paulo Freire se tornou um problema para os fascistas, porque eles ouviram dizer que se trata de um marxista influente. Está claro que ninguém deste atual governo faz a menor ideia da obra do Paulo Freire. Não teriam condições de entender nem um único parágrafo, quanto mais discutir sobre um possível confronto de patronato para a educação brasileira. Por certo, para os fascistas, José de Anchieta também é um ilustre desconhecido, mal sabem que sua obra transcende e muito a mera catequização de índios.
Mas estas confusões prosperam, e os fascistas se reúnem em torno destas causas absurdas, na maior parte das vezes destrutiva para o país, por conta da precariedade intelectual de boa parte de sua oposição, que, do mesmo modo, não raramente, cita Paulo Freire invertendo seus valores e aniquilando sua teoria crítica.
Este artigo foi redigido em coautoria com o Prof. Dr. Paulo Eduardo de Barros Veiga (pesquisador pós-doc pela FFCLRP-USP)