Pesquisadoras analisaram a agenda educacional do governo Bolsonaro e constataram que poucas ações saíram do papel para serem concretizadas. Além disso, elas analisaram a falta de evidências de que escolas cívico-militares tragam melhores resultados para o processo educacional e disciplinar dos alunos. A professora Catarina Segatto, do Departamento de Ciências Políticas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), é uma das autoras do estudo e discorre sobre os resultados obtidos pela pesquisa.
A docente explica que o mapeamento das propostas políticas do ex-presidente foi realizado juntamente com a professora Sandra Gomes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). De acordo com Catarina, uma das principais constatações da pesquisa foi o enfraquecimento da coordenação nacional nas políticas educacionais e conta que, antes do governo Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC) mantinha um papel ativo na coordenação das políticas, processo que foi significativamente reduzido durante o mandato de Jair Bolsonaro. Essa mudança, segundo a especialista, se refletiu na educação e em áreas como a saúde, que também viu um declínio na coordenação centralizada.
Propostas
Conforme a especialista, a pesquisa revelou uma retirada notável de discussões sobre inclusão e diversidade da agenda educacional. Temas como os direitos de grupos indígenas, quilombolas e pessoas negras e pardas foram menos abordados, assim como questões relacionadas a gênero e direitos sexuais e reprodutivos. Para a professora, os temas inclusivos recebiam a atenção adequada antes das mudanças políticas do governo bolsonarista.
“Entre as propostas que realmente foram feitas nós temos a lei do homeschooling, idealizada por parlamentares que apoiavam o governo do ex-presidente. No entanto, elas não foram aprovadas pelo Congresso Nacional. Então, o que foi possível observar é que uma boa parte das propostas formuladas não conseguiu a aprovação necessária pelos parlamentares para ser levada adiante”, reflete.
Dentre as políticas que foram efetivamente implementadas, Catarina destaca a nova política de alfabetização e a criação das escolas cívico-militares. A política de alfabetização, que sofreu críticas por sua abordagem unilateral e falta de diálogo com estados e municípios, resultou em ajustes obrigatórios para sua implementação. As escolas cívico-militares, propagadas pelo ex-presidente como uma inovação no sistema educacional, foram criadas em um número limitado de instituições.
Escolas cívico-militares
A professora, no entanto, destaca que a literatura existente não oferece evidências robustas de que a gestão militarizada das escolas resulte em melhores resultados educacionais em comparação com o modelo tradicional. Ela apontou que fatores como a seleção socioeconômica dos alunos e a trajetória escolar anterior podem ter um impacto mais significativo nos resultados educacionais do que a própria gestão militar.
Segundo Catarina Segatto, é importante que haja articulação entre a gestão escolar e os objetivos pedagógicos, já que a integração eficaz desses fatores é fundamental para alcançar melhores resultados de aprendizagem. Ela afirma que evidências acumuladas ao longo de décadas de pesquisa educacional sugerem que a combinação de uma gestão escolar eficaz com uma abordagem pedagógica bem planejada é mais produtiva do que mudanças radicais no modelo de administração.
De acordo com a especialista, outro ponto importante é envolver e escutar os professores e outros profissionais da educação no processo de formulação e implementação de políticas educacionais. As mudanças significativas nas políticas, segundo ela, devem ser acompanhadas por um diálogo contínuo com professores, diretores e coordenadores pedagógicos, porque, afinal de contas, são esses profissionais que vão de fato implementar as mudanças.
“Mesmo com alternâncias entre os governos FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro, é importante dizer que estamos em uma trajetória de continuidade de maior coordenação nacional do Ministério da Educação e da União, pensando em planos e redistribuição de recursos. Acho que essa redução de desigualdades tem que ser o tema central na educação do País, temos que pensar em formação de professores, gestores e escolas capacitados para atuar com grupos em contexto de maior desigualdade”, finaliza.
**Texto por Jornal da USP