Uma mudança feita pela prefeitura de Ribeirão Preto deve tirar a investigação da chamada “farra das ambulâncias” das mãos da Polícia Federal (PF). Trata-se da origem das verbas utilizadas para o pagamento do contrato, que antes era o governo federal e, desde 14 de abril, tornou-se o governo estadual. Com isso, não só a investigação deve sair da alçada da PF como a competência de um eventual processo sobre o caso deixa de ser a Justiça Federal e passa a ser a Justiça estadual paulista.
Isso ocorre porque a PF tem ingerência apenas sobre assuntos federais. Assim, com a mudança dotação orçamentária para a contratação das ambulâncias de verbas federais para estaduais, as investigações sobre o assunto devem conduzidas pelo Ministério Público estadual, que será o responsável por eventual denúncia, se comprovar alguma irregularidade. Apesar disso, o trabalho feito pela PF não será perdido e poderá ser encaminhado ao MP estadual.
Originalmente, a contratação de quatro ambulâncias, por R$ 1,1 milhão, em dispensa de licitação, deveria ocorrer utilizando verba federal mas, em 14 abril, a prefeitura cancelou o empenho das verbas federais e indicou que o pagamento passaria a ser feito com verba estadual. A mudança, entretanto, não foi publicada no Diário Oficial da cidade, o que gera questionamentos de especialistas em licitação.
A mudança na fonte dos recursos ocorreu oito dias depois de o Grupo Thathi de Comunicação denunciar supostas irregularidades no processo de dispensa de licitação. A denúncia, segundo a PF, foi a motivadora da abertura de um inquérito na PF para apurar o caso.
Outro lado
A prefeitura de Ribeirão foi contatada, através de sua assessoria de imprensa, na manhã desta segunda-feira (25), e questionada sobre os motivos que levaram à mudança da dotação orçamentária, e também se a mudança tem alguma relação com a investigação em curso na PF, mas não se manifestou até a publicação desta matéria.
Na tarde desta terça-feira (26), a administração se pronunciou, afirmando que a mudança de dotação orçamentária foi ocasionada por adequações orçamentárias. A prefeitura também foi questionada sobre a não publicação da mudança no Diário Oficial, mas não se manifestou. Em entrevistas anteriores, o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) se posicionou a favor da apuração, por parte da PF, e chegou a declarar que o resultado das investigações seria um “atestado de idoneidade” para sua gestão.
Denúncia
A denúncia original sobre o caso foi feita pelo empresário José Renato Cabrera, que falou, com exclusividade ao programa Interação, sobre o processo, considerado por ele irregular. Ele afirma que houve direcionamento à SOS Assistência Médica, empresa que acabou contratada para fazer o serviço e que é comandada por um cabo eleitoral do prefeito Duarte Nogueira.
Por conta da denúncia, houve a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso. Os vereadores descobriram, inclusive, que a SOS Assistência Médica não tinha, entre seus negócios, de acordo com o registro federal, a locação de ambulâncias, o que poderia indicar mais uma irregularidade no processo.
Durante as apurações, o secretário de Saúde de Ribeirão, Sandro Scarpelini, confirmou que sua ex-mulher já foi sócia da empresa que venceu o processo, tendo ele mesmo prestado consultoria à empresa. Ficou comprovado, ainda, que tanto Nogueira quanto o secretário da Saúde e o dono da empresa, Aníbal Carneiro, frequentam a mesma loja maçônica. Além disso, o responsável pelo Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu) na cidade assina como responsável técnico pela SOS e também frequenta a mesma loja.
O caso é investigado pelo Ministério Público de São Paulo. A Polícia Federal também abriu inquérito para investigar o assunto e chegou a realizar uma operação busca e apreensão de documentos na prefeitura e na sede da SOS Assistência Médica.
Análise
O Grupo Thathi consultou três especialistas em direito administrativo e todos foram unânimes em dizer que, por si só, a mudança de dotação orçamentária não representa nenhuma ilegalidade. Mas também apontaram que, se o objetivo da mudança tiver sido impedir investigações, o caso pode mudar de figura.
Um desses especialistas, o advogado Gustavo Bugalho, analisa que o processo, em si, é marcado por uma “série de eventos que se encaixam”. “Pessoalmente, não acredito em coincidências. Penso que a prefeitura deva explicar os motivos que levaram ao cancelamento do empenho para esclarecer essa questão”, afirma Bugalho.
Presidente da CPI que investiga o caso no Legislativo, o vereador Orlando Pesoti (PDT) informou que irá enviar oficio, nesta terça-feira (26), ao Executivo para que explique a decisão. “Isso é um absurdo total”, disse o vereador, que vê eventual uso político da mudança para impedir a investigação da Policia Federal no caso.
ERRATA: Ao contrário do afirmado na matéria, a Prefeitura não publicou a alteração na dotação orçamentária no Diário Oficial. A informação foi corrigida no texto.