A Sereia, na mitologia, é uma personagem cuja beleza e o canto seduzem os marinheiros e pescadores, em especial aqueles jovens marinheiros ainda inexperientes em relação aos perigos do mar, levando-os a afogarem e ali terminarem suas vidas.
No período eleitoral, em especial em momentos de eleições municipais, essas figuras mitológicas emergem das profundidades marinhas – é verdade que, na maioria das vezes, longe de demonstrarem a forma física graciosa das lendas – e procuram jovens e inexperientes marinheiros que desejam pescar uma vaga no Poder Legislativo, com objetivo de seduzi-los a comporem a “chapa” de seu partido. Esse jogo de sedução vem, muitas vezes, através da promessa de uma votação expressiva, apoio integral do partido por meio de confecção de materiais e a certeza de que, este candidato de primeira viagem, conquistará tão desejada vaga no Legislativo.
O candidato, inebriado por tais promessas de sucesso rápido, assina sua filiação e passa a sonhar com a tão sonhada vaga nas macias cadeiras da vereança. Passa, muitas vezes, a dispor de recursos financeiros em relação aos quais não têm condições de suprir, na busca por maior visibilidade junto aos seus e junto às redes sociais, muitas vezes de maneira desastrada, em razão da ausência de uma assessoria especializada, endividando-se para os anos posteriores. O resultado é, na maioria das vezes, frustrante.
O leitor deve estar se perguntando: Mas por que a Sereia se engendra em tal jogo de sedução?
Para tirar as dúvidas sobre a questão, creio ser necessária ousar uma breve explicação jurídica, que, em regra, não é tão simples de fazer.
Numa eleição para Vereador, não “ganha” a cadeira, necessariamente, o candidato mais votado. O denominado “sistema proporcional” é constituído a partir de uma série de operações matemáticas, que dão origem à necessidade de os dirigentes partidários, na luta pela sobrevivência, se utilizarem do canto da sereia para agremiarem possíveis puxadores de votos para garantir um número mínimo de cadeiras na Câmara Municipal.
Mas como funciona essa “continha”?
O partido político, para conquistar ao menos uma cadeira na Câmara Municipal, deve atingir uma quantidade de votos mínima, que é chamada de “quociente eleitoral”. Esse quociente eleitoral é encontrado dividindo-se o número de votos válidos em uma eleição (aqueles votos que são dados a um candidato existente ou a uma sigla partidária, ou seja, sem contar os nulos e os brancos) pelo número de cadeiras em disputa. Um exemplo: Imagine um município no qual, nas eleições de 2020, tenhamos um total de 340 mil votos válidos para candidatos a vereador e um total de 22 cadeiras em disputa. Nesse caso, dividindo-se o número total de votos válidos para vereador pelo número de cadeiras em disputa, teríamos como resultado o número: 15.455. Isso significa que um partido político qualquer, para ter direito a pelo menos uma cadeira no Legislativo, teria que receber, no mínimo, 15.455 votos em candidatos filiados em sua legenda.
Depois dessa conta, o Partido precisa saber quantos candidatos eleitos terá naquele pleito, ou seja, quantas cadeiras, no total, ele vai “abocanhar”. Para isso, calcula-se o número total de votos que o partido recebeu, pelo quociente eleitoral. Isso se chama “quociente partidário”. A título de exemplo: O Partido A recebeu 47 mil votos. O quociente eleitoral é de 15.455 (lembra-se do cálculo que fizemos acima?). Logo, dividindo-se o número de votos do partido pelo quociente eleitoral, chega-se à conclusão de que o partido teria direito a três vagas, sem contar as sobras de cadeiras (que será objeto de um outro artigo, para dar uma folguinha ao cérebro).
Imagine, por exemplo, que o vereador eleito mais votado em Ribeirão Preto em 2016 teve cerca de 8.500 votos. O partido do referido candidato fez um total de três cadeiras. Os outros dois vereadores eleitos pelo mesmo partido, tiveram pouco mais de dois mil votos, cada um.
Imagine, também, que Ribeirão Preto tivesse atingido um quociente de mais de doze mil votos à época. O Partido em questão teria condições de eleger três vereadores, com apenas os cerca de 13 mil votos dos três vereadores eleitos em questão? É evidente que não.
Para isso os partidos lançam mão do “canto da sereia” e buscam seduzir pessoas públicas, com bom relacionamento em seus bairros, na mídia, em projetos sociais, para buscar garantir, numa chapa robusta de trinta e poucos candidatos, uma quantidade suficiente de votos para engatar o número de cadeira suficiente para garantir a eleição de seus candidatos principais.
O canto da sereia não é crime, não é imoral. Faz parte do jogo eleitoral e da saudável disputa. O intuito deste artigo nada mais é do que abrir o olho do candidato de primeira viagem, para que não caia nos principais versos da sedução costumeiros:
1 – Dificilmente você vai ser eleito na primeira tentativa. Às vezes acontece, mas não é o mais comum na história das eleições proporcionais municipais.
2 – A não ser que haja uma razão especial para o partido político apostar em você, não dependa das promessas do partido. O marinheiro de primeira viagem que é eleito geralmente está realizando um trabalho consistente desde o final da eleição anterior e se cercando de pessoas com experiência, buscando conhecimento, capacitação e arregimentando seu colégio eleitoral ao longo de vários anos. O partido, muitas vezes, vai te proporcionar um “milheiro de santinhos”, apenas.
3 – Não conte com sua família e seus amigos. Você pode ter quarenta primos e trezentos melhores amigos. Apenas trinta vão efetivamente votar em você. Eleição não é “Criança Esperança” e o voto é guiado por alguma modalidade de interesse por parte da população, que ultrapassa o sentimento de amizade ou parentesco.
4 – A não ser que você esteja na mídia há muitos anos em uma posição já concretizada no ramo, não caia na conversa das sereias, de que você tem potencial para 4000 mil votos. A não ser em casos excepcionalíssimos, o marinheiro de primeira viagem não atinge 600 votos.
5 – Não busque partidos políticos ditos “fortes”, nos quais existam cinco ou mais “figurões” da política. Dificilmente um partido – agora falando de Ribeirão Preto – vai atingir mais do que cinco cadeiras em 2020 e, nesse caso, você apenas terá colaborado para a vitória de outro.
6 – O contrário também vale: se você quer ser eleito, não busque um partido apenas por ideologia. Partidos “nanicos” estão em plena agonia e, em especial nas próximas eleições, quando não haverá coligação proporcional, tendem a morrer na praia.
Ou seja: Quer ser candidato pela primeira vez? Seja. Mas seja consciente de que uma vitória eleitoral é feita de suor, estratégia, planejamento, profissionais capacitados e diversos perigos, como um “triângulo das bermudas”, no qual, o primeiro obstáculo sempre será o “canto da sereia”. Cerque-se de profissionais capacitados e um planejamento estratégico bem definido.
Ah, e não tenha pressa: sua filiação no Partido deverá estar aprovada até o dia 04 de abril e, se você é um candidato com potencial de voto para ajudar a “chapa” a “engatar”, tenha certeza de que o Partido vai querer você.