Desejo ainda que você seja tolerante
Não com os que erram pouco
Porque isso é fácil
Mas com os que erram muito e irremediavelmente
E que fazendo bom uso dessa tolerância
Você sirva de exemplo aos outros
Desejo, Victor Hugo
Acordei com o poema acima, do genial Victor Hugo, na cabeça. Daí a escrever o artigo da semana sobre o tema foi um passo. Mas calma, raro leitor e perspicaz leitora, você vai entender – espero – até o fim dessas maltraçadas.
Desde que me entendo por gente, tenho um mantra que repito sistematicamente: ninguém tem o direito de impedir a outra pessoa de exercer o seu direito, inalienável, de ser um grande idiota. E, no Brasil atual, a frase segue cada dia mais válida. Acho até que fui médium ao descrever, com décadas de antecedência, a situação da sociedade brasileira hoje.
Sou um defensor ferrenho das liberdades democráticas. A mais sagrada, pra mim, é o direito de ser idiota. Pense bem, raro leitor e quase inexistente leitora. Vai acabar concordando comigo. O que quero dizer é que, se é difícil aceitar o direito de nosso semelhante expressar sua opinião quando ela faz sentido, imagina a dificuldade de aceitar quando a opinião é uma grande boçalidade.
Com o advento das redes sociais, houve uma profusão de opiniões, que são jogadas, a cada segundo, na nossa cara. A imensa maioria delas é um mar de boçalidade. Algumas delas, perigosas, antidemocráticas e até mesmo criminosas. Rejeitar esse tipo de opinião é natural e até aceitável. Não o é, entretanto, a tentativa de censura.
O que quero dizer é que é saudável que as pessoas tenham o direito de se expressar, ainda que o resultado desse direito seja uma grande porcaria. Nossa Constituição é sábia ao não colocar limitadores no direito de expressão. Afinal, se assim fosse, quem seria o censor? Qual o critério para qualificar uma opinião? Não podemos cair nesse risco. Sob pena de ninguém ter a voz calada, o preço a se pagar é ouvir todas as vozes, inclusive as mais toscas e grutuais.
Evidente, se cometerem algum crime como resultado de sua expressão, a Justiça está ai pra isso. Mas não podemos tolher o direito de expressão, base fundamental da democracia.
Qualquer pessoa minimamente preparada consegue suportar a opinião contrária se ela fizer sentido. O que é difícil ver o seu tio meio bêbado gritando na mesa de domingo que bandido bom é bandido morto. Ou aquele primo superdescoladX, militante da esquerda, falando que Lula é inocente. Ou aquele tio-avó que insiste em dizer que o Bafo ainda existe e é um time de futebol. Ou aquele amigo da faculdade que fala que o futebol europeu é melhor que o brasileiro. Tem doido pra tudo. Mas não dá pra impedir alguém de falar só por conta do teor do que a pessoa tem a dizer.
Nesses casos, atentemos ao conselho do poeta. É fácil ser toletante com os que erram pouco. Que tal fazer o mesmo exercício com quem, na nossa opinião, erra muito, e irremediavelmente?