O caso de morte por atropelamento, ocorrido em Ribeirão Preto, no inicio do mês, reacende a polêmica sobre o reconhecimento da ocorrência do denominado dolo eventual nos crimes de trânsito.
É de conhecimento geral que os delitos dolosos são mais graves do que os culposos e que, consequentemente, suas penas costumam ser maiores. Por isso, na tentativa de encontrar uma punição mais rigorosa, muitas vezes, busca-se tipificar as mortes e lesões corporais de trânsito como dolosas, por meio do instituto do dolo eventual. Não raro, há entendimentos no sentido de que o motorista que dirige embriagado ou que disputa uma competição não autorizada – o denominado racha – estaria necessariamente com dolo eventual.
Todavia, não é a busca pela maior pena possível que deve nortear a aplicação da lei penal, mas sim a intenção do agente, a finalidade por ele perseguida. Até mesmo porque, o reconhecimento de crime culposo não significa impunidade, apenas, em regra, uma pena menor – o que não acontece, diga-se de passagem, nos casos de lesão corporal leve: nos termos do artigo 129 do Código Penal, tal lesão, se dolosa, é punida com detenção de três meses a um ano, enquanto que o artigo 303 do Código de Trânsito prevê, para a modalidade culposa, a pena de detenção de seis meses a dois anos, exatamente o dobro.
Por tudo isso, é muito importante entendermos exatamente quais são as hipóteses de dolo eventual, para defender a sua aplicação quando correto do ponto de vista técnico.
Há dolo eventual quando o sujeito decide pela possível lesão de algum bem protegido pelo direito, nas hipóteses em que, por exemplo, assume o risco de produzir uma morte, ainda que essa hipótese lhe seja desagradável. Assim, se o motorista conduz seu veículo em velocidade absolutamente incompatível, em um local bastante movimentado, assumindo o risco de lesionar alguém, temos dolo eventual.
Por outro lado, teríamos culpa quando o motorista acredita poder evitar o resultado por meio de sua habilidade ao volante, pois, caso contrário, desistiria de sua atuação.
É por essa razão que, na Alemanha, muitas vezes, o dolo eventual é chamado de incondicionado, pois ocorre nas hipóteses em que o sujeito quer executar seu plano incondicionalmente, ainda que isso custe um resultado delitivo.
A primeira conclusão que podemos tirar dessas ideias é a de que a ocorrência de dolo eventual é mais rara do que, frequentemente, o senso comum sugere. Todos nós já passamos por situações – tanto no trânsito, quanto fora dele – em que não tomamos todos os cuidados necessários. Todavia, em tais casos, dificilmente assumimos o risco de cometer algum crime, não agimos incondicionalmente, custe o que custar. Ao contrário, via de regra, esperamos sinceramente que tais resultados não ocorram e acreditamos que conseguiremos evitar qualquer tragédia.
Evidentemente, é plenamente possível a ocorrência de crime doloso no trânsito, tanto por dolo direto – caso em que o motorista deliberadamente atropela outra pessoa, por exemplo -, quanto por dolo eventual, nas hipóteses em que o motorista sabe que tem grande chance de atingir um pedestre, se não parar o carro ou reduzir a velocidade, mas, ainda assim, prossegue com seu plano. Todavia, é fundamental que a caracterização de crime doloso não seja presumida e seja adequadamente demonstrada no caso concreto.