Orgulho é uma palavra dúbia, perigosa. Na frase “tenho orgulho do meu filho(a)”, você pode apenas querer expressar amor pelo pimpolho(a) e isto, sem dúvida alguma, é algo bom, positivo. Mas em tempos de intolerância radical, o vizinho(a) ou o parente rancoroso(a) pode entender outra coisa, que você está gritando no ouvido dele, com direito a “chupa, FDP!”, que seu filho(a) é muito melhor que o dele(a). Pronto, a guerra está declarada…
Os sete pecados capitais nada mais são do que vícios, excessos, desmedidas passionais, perversões. É o que nos conta a psicanalista francesa Elizabeth Roudinesco. A cada um deles, é atribuída uma figura do Diabo. A saber: a inveja é Leviatã; a ira, Satã; o orgulho, Lúcifer; gula, Belzebu; luxúria, Asmodeu; preguiça, Belfegor; e a avareza, Mammon.
Não à toa! Nada mais diabólico do que o orgulho, símbolo de ostentação, vingança pela carne. E nada mais atual do que falar deste assunto em tempos de pré-Carnaval no Brasil, o país que carrega há cinco séculos um grande paradoxo: é ao mesmo tempo o mais católico do mundo e igualmente a nação mais pecadora de todas… Não estamos fazendo piada.
Se o que nos conta a Bíblia for verdade, o orgulho existe antes mesmo da criação (Adão e Eva e tal), pois Lúcifer não é apenas o fundador do Inferno – uma das maiores invenções da civilização ocidental, história a ser contada em outro artigo… –, mas também o anjo fundador do orgulho e da soberba.
Diz a história (ou estória) que Santo Antão (*), quando ainda não era santo, percorreu o deserto pregando os ensinamentos de Jesus. Os chamados “padres do deserto” faziam isso no começo da Idade Média. Por isso, são a origem do cristianismo.
O Capeta o tentou por cerca de 40 anos. Impôs ao futuro santo provações que, para reles mortais, seriam irresistíveis. Colocou no deserto, à frente de Antão, mulheres belíssimas e insinuantes a ele… Antão resistiu! Colocou à frente dele comidas deliciosas e fartas… Antão resistiu! Colocou à sua frente baús repletos de ouro e diamante… Antão resistiu!
Depois que o Diabo o tentou nos 6 pecados capitais, quando Antão já tinha 105 anos de idade, desanimou e decidiu desistir. Já estava indo embora, de volta ao inferno… Ao ouvir, porém, o futuro santo dizer, erguendo os braços aos céus, “Agradeço, ó Deus, por todo o esforço que fiz e por ter resistido às tentações do Capeta!”, Lúcifer então se surpreendeu e voltou a se animar. Afinal, Antão havia sucumbido no último e igualmente cruel pecado, o da vaidade…
Vale a pena, nobre leitor, buscar o genial tríptico do pintor holandês Hieronymus Bosch “As Tentações de Santo Antão”. Nele, vê-se o piedoso eremita sendo submetido a todas as tentações e torturas que é capaz de conceber a imaginação diabólica de Bosch. O mal espreita em cada canto – uma sedutora se esconde numa árvore fendida, um monstro sai de dentro de uma imensa ruta madura, e a cena é repleta de criaturas ameaçadoras de aparência sobrenatural.
Ao fundo, o inferno em tumulto sugere o destino que aguarda todos os que sucumbem ao mal.
Os pecados são chamados de capitais por isto: começam com um, que leva a outro, a outro e, de repente, você já é um pecador pHd em Harvard, com os 7 vícios de uma só vez…
O inferno são os outros? Sim, e o Carnaval já está aí, pecador!!
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N.R.
(*) Além da busca pelas imagens de Bosch (1450-1516), sugerimos também ao leitor recorrer ao Google para encontrar o professor Leandro Karnal contar maravilhosamente a história de Santo Antão numa de suas palestras.