No início dos anos 50, Ralph Elisson publicou o seu livro “Homem Invisível”, ganhador do Prêmio Livro do Ano de Ficção. O seu reconhecimento foi imediato, ao contrário da personagem principal do romance narrado em primeira pessoa. Sentia que as pessoas se recusavam a vê-lo. Era invisível naquela sociedade racista americana dos anos 30, que é quando se passa a história. Cumpre lembrar que a visibilidade enorme provocada pela cena da morte de George Floyd tornou visível uma pessoa que as demais se negavam a perceber a sua existência. A morte por asfixia provocada pelo peso do corpo do policial revelou-se em seus gemidos: I Can´t breathe. Eu não consigo respirar… É preciso morrer para que me vejam.
O auxílio emergencial oferecido pelo Governo, cujo valor foi triplicado pelo Congresso em relação à proposta inicial guediana, revelou-nos uma invisibilidade de milhões de brasileiros. Foi necessária uma pandemia para tornar milhões de invisíveis, visíveis. Nessas cifras espantosas, é claro, há pessoas de diversa origem étnica, mas não será preciso maior esforço para identificar que a grande maioria é parda e negra. Como foi possível tornar tanta gente invisível?
A nossa longa História o explica. Desde a origem, a principal marca da organização social brasileira foi a da exclusão. Indígenas primeiro, negros escravizados depois, a maioria sempre foi mantida à margem ou expresso de maneira mais adequada, nos degraus inferiores, onde a busca por reconhecimento sempre lhes foi negada. Talvez ou por certo a naturalização da desigualdade tenha impedido que haja uma consciência da nossa brutalidade. Temos a segunda taxa de mortalidade do mundo por crimes violentos. A truculência policial mata mais do que em qualquer lugar do mundo. E quem se queixa? Quem protesta e reclama?
Sabe o que se diz? Normal. Sempre foi assim. Mas, sempre será?
Essa expressão odiosa que estão a usar, “o novo normal”, será possível? Lamentavelmente, tendo a responder que nada haverá de novo. O anormal que havia antes e que ninguém quis perceber continuará. “O novo normal” será a continuidade do “velho normal”, numa das sociedades mais insensíveis do mundo.
Os ouvidos continuam moucos, enquanto milhões de brasileiros gritam que não conseguem respirar. E isso não é um sintoma da doença que nos assola como uma peste bíblica. É a simples revelação do pior de todos os nossos males. O da indiferença. Ninguém se assusta? Não. Normal.