Curado de um câncer agressivo depois de ser alvo de tratamento pioneiro realizado no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, o funcionário público aposentado Vamberto Luiz de Castro, 64, morreu no último dia 11 em decorrência de um acidente doméstico. Ele teve traumatismo craniano e não resistiu aos ferimentos.
Ele teria batido a cabeça depois de uma queda em sua casa, em Belo Horizonte. O corpo foi levado para o Instituto Médico-Legal (IML), mas ainda não há resultados que indiquem a causa da morte. A princípio, as autoridades não trabalham com a hipótese de que a morte tenha qualquer relação com o câncer. “Somente após o laudo do exame de necropsia será possível saber se há ou não indícios de violência na morte de Vamberto Luiz de Castro. O corpo dele deu entrada no IML em 11 de dezembro, foi examinado e liberado. O laudo fica pronto em até 30 dias”, informou a Polícia Civil mineira, em nota.
Castro conseguiu a cura do câncer que tinha, linfoma avançado do tipo não-Hodgkin, graças a um tratamento no Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro de Ribeirão Preto. Ele havia sido desenganado pelos médicos, estava em estado terminal e aceitou participar da terapia, que é experimental. Ele recebeu alta em outubro completamente curado. Ele foi o primeiro brasileiro a ser tratado com uma terapia celular inédita na América Latina.
Em menos de 20 dias após o início do tratamento, o paciente apresentou remissão total do câncer, com exames mostrando que as células canceríginas desapareceram. Os exames comprovavam a remissão do tumor.
A reportagem do Grupo Thathi tentou contato com familiares do aposentado, mas ninguém quis se manifestar.
O estudo
A técnica desenvolvida em Ribeirão Preto utiliza o sistema CAR T-cell, do inglês, significa “célula T com receptor de antígeno quimérico”. O complicado nome indica que o tratamento usa células geneticamente modificadas. Trata-se de uma terapia recente para combater o câncer.
Como os estudos clínicos do CTC com células CAR T ainda não estão abertos, o paciente mineiro conseguiu o tratamento na modalidade de uso compassivo. “No tratamento compassivo o paciente te procura e pede para ser tratado como última alternativa, porque ele não tem mais nenhuma opção. Geralmente, para fazer uso compassivo, é aquele paciente que poderia entrar em algum estudo clínico, mas ele não preenche critérios. Isso surgiu para ele não ficar sem tratamento”, explica Renato Cunha.
Foi justamente este o caso. A família do paciente havia entrado em contato com hospitais no exterior que fazem essa terapia, mas a burocracia envolvida e o alto custo do tratamento tornavam a viagem proibitiva. Eles descobriram o nome de Cunha por acaso, ao encontrar uma reportagem do final do ano passado que contava que o médico da USP havia ganho um prêmio da Sociedade Americana de Hematologia (ASH, em inglês) para desenvolver o processo de produção de células CAR T no Brasil.
“Ele escreveu para mim e eu respondi, falei para ele que a gente não estava com o protocolo (de estudo clínico) aberto. Mas ele falou, ‘olha eu gostaria muito de ir a Ribeirão conversar; mesmo que a gente não consiga fazer, eu gostaria de ter a sua opinião sobre o meu tratamento’”, relata o médico.
O aposentado e o filho foram a Ribeirão Preto conversar com Cunha e seguiram em contato com o médico depois. Eles tentaram o tratamento com uso compassivo de um medicamento chamado Polatuzumab, porém, quando o câncer se espalhou ainda mais, decidiram insistir na possibilidade do CAR compassivo. Por sorte, a equipe de Cunha havia recém-finalizado as etapas de validação laboratorial do processo de produção das células.
O paciente deu entrada no Hospital das Clínicas da FMRP no começo de setembro. Estava muito magro, tinha suor noturno, dor nos ossos e estava usando a dose máxima de morfina. Ele foi submetido a uma aplicação de células CAR T, teve uma reação inflamatória conhecida pelos médicos como “tempestade de citocinas” e ficou semanas em observação. A tempestade de citocinas foi um importante indicador de que as células CAR T haviam encontrado seu alvo. Mais de 30 dias depois, ele não apresenta mais sintomas clínicos nem laboratoriais da doença e deve receber alta no próximo sábado (12). “Ele tirou a morfina, não tem mais suor noturno, voltou a ganhar peso e a dor que ele sente é decorrente de uma fratura que ele teve nas costas por causa do linfoma”, conta o médico do CTC.
Expectativa
Dimas Covas já havia declarado que, devido ao sucesso da terapia aplicada a Costa, mais nove pessoas pessoas devem ser submetida ao tratamento inovador. O fatídico desfecho do caso não mudará os planos. Segundo ele, três pacientes já estão em preparação, na fase da coleta e modificação das células, e as demais devem começar nos próximos seis meses.
“Quando abrimos a porta da esperança, não tem como fechar. Já temos uma pequena fila para o uso compassivo da terapia, em caráter experimental. Três pessoas já estão em preparação, na fase da coleta e modificação das células. Meu objetivo, que talvez seja um pouco otimista, é testar a terapia em dez pacientes nos próximos seis meses”, disse o hematologista Dimas Tadeu Covas.