Existe um plano de assinatura para tudo, de serviços de streaming até produtos de higiene pessoal. E, agora, também para passagens aéreas.
Em meio a esforços para recuperar o volume de passageiros do período pré-pandemia, algumas companhias têm oferecido planos de assinaturas de passagens em países como Estados Unidos, Nova Zelândia e Japão –ainda não há, porém, perspectiva do modelo chegar ao Brasil.
Nesse sistema ainda pouco difundido, o passageiro paga um valor fixo por mês e, em troca, pode voar à vontade dentro de determinadas condições.
Uma das principais companhias da costa oeste americana e a primeira oferecer as assinaturas, a Alaska Airlines tem planos que vão de US$ 49 por mês, ou R$ 244 (para fazer seis viagens de ida e volta em um ano, reservando com 15 dias de antecedência) a US$ 749 por mês, ou R$ 3.733 (para fazer 24 viagens de ida e volta em um ano, mas podendo reservar até duas horas antes do voo).
Prestes a completar um ano de existência, o “flight pass” da Alaska ganhou um concorrente: o Go Wild! Pass da Frontier Airlines, uma companhia baseada em Denver, no Colorado. Com ele, o viajante pode voar quantas vezes quiser para qualquer destino da companhia nos EUA (reservando até 24 horas antes da decolagem) ou no exterior (reservando com dez dias de antecedência). O plano anual custa US$ 2.000 dólares (ou R$ 10 mil), mas quem prefere viajar apenas no verão pode assinar o “summer pass”, válido apenas de maio a setembro, por US$ 700 ao ano (ou R$ 3.488).
O modelo de passagens por assinatura também vem sendo testado do outro lado do globo: em agosto a Sounds Air, uma aérea regional da Nova Zelândia, disponibilizou mil passes de “voe à vontade”, válidos por três meses, pelo equivalente a US$ 490 (ou R$ 2.442). No Japão, a low-cost Star Flyer passou a oferecer um pacote voltado a quem trabalha a distância, com voos ilimitados entre a Tóquio e sua cidade-base, Kitakyushu –com hospedagem inclusa.
As assinaturas têm restrições. Na Alaska Airlines, os planos contemplam apenas algumas rotas da companhia e, para outras, é necessário pagar um adicional além do valor da assinatura; na Frontier, algumas datas muito disputadas, como Dia de Ação de Graças, Natal e Ano-Novo não estão inclusas na assinatura. Em todos os casos, os passageiros ainda precisam pagar as taxas de embarque e serviços extras, como assentos e despacho de bagagem.
Para os passageiros que voam com frequência e têm uma certa flexibilidade de datas, os planos de assinatura são um bom negócio. Para ter certeza, basta dividir o custo total do plano pela quantidade de voos que se pretende fazer e comparar com o valor médio das tarifas. Mas para algumas companhias aéreas, eles são um negócio ainda melhor, pois ajudam a preencher voos que, mesmo com pouca demanda, não podem simplesmente ser cancelados –o que pode acontecer por diferentes motivos.
Outra razão que leva algumas companhias a voar sem lucro são os slots –o direito de pousar e decolar de um aeroporto em determinados horários. No inverno de 2021, por exemplo, a Lufthansa disse ter feito 18 mil voos vazios, simplesmente para garantir os slots que lhe permitem lucrar acima da média durante o verão, quando a demanda explode.
Voos vazios ou pouco cheios, entretanto, não fazem parte da realidade da aviação brasileira. Por aqui, a ocupação média dos voos domésticos fica em torno dos 80% –um nível considerado saudável pelo mercado. Ainda que estejam voando para mais destinos do que antes da pandemia, os custos operacionais obrigam as companhias a reduzir as frequências para cada destino. O programa Voa Brasil, que venderá passagens por até R$ 200 a aposentados, pensionistas e estudantes, deve acabar com os últimos assentos que ainda voam vazios.
Com muitos assentos ocupados por passageiros que pagam cada vez mais caro, sobram poucas razões para as companhias aéreas brasileiras oferecerem planos de assinatura aos seus passageiros, segundo o consultor em aviação David Goldberg.
“O mercado brasileiro tem algumas rotas com fluxos, ocupações e tickets mais elevados, como Rio-SP e SP-Brasília. Para um modelo de assinatura fazer sentido, o yield (custo por milha voada) dos pacotes teria que ser semelhante ao dessas rotas, o que tornaria o produto pouco atrativo para quem tem interesse em voar com frequência para outras destinos”, explica o consultor. “Do contrário, as companhias estariam reduzindo sua rentabilidade.”
Goldberg vê ainda outras dificuldades para a ampla disseminação das assinaturas no setor aéreo, como o tamanho potencial do mercado para essa modalidade de compra e o comportamento dos viajantes que poderiam pagar pelo serviço no Brasil.
“Parte importante das passagens são adquiridas pelo mercado corporativo, e outra por clientes que não viajam de forma recorrente, o que restringe bastante a fração de passageiros elegíveis à oferta”, diz. “Além disso, os clientes que têm recursos para custear um fluxo grande de viagens privilegiam a comodidade de selecionar os horários e companhias aéreas mais convenientes, dificultando a fidelidade implícita neste tipo de produto.”
GABRIEL JUSTO / Folhapress